Nos últimos dois anos, 121 mil árvores foram derrubadas no território, expondo graves conflitos em curso e o aumento da ameaça aos indígenas isolados
Nesta quinta (9), vence mais uma vez a portaria de restrição de uso que garante a proteção dos isolados da Terra Indígena (TI) Pirititi (RR). Publicada há exatamente seis meses, a última portaria comprovou que esse tempo é insuficiente para garantir a proteção efetiva, uma vez que o avanço de madeireiros e grileiros continua a todo vapor rumo ao interior da área.
A situação é apresentada em relatório técnico do ISA, que confirma que as invasões e desmatamentos aumentaram nos momentos mais críticos da pandemia e seguem avançando exponencialmente. O problema coincide com o período que antecede o término da vigência das portarias, é fruto da ausência de operações de fiscalização e da expectativa e especulação dos invasores sobre a não renovação desse tipo de norma, mecanismo de proteção legal de grupos indígenas isolados emitido pela Fundação Nacional do Índio (Funai).
Dados oficiais de desmatamento na Amazônia divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que, até julho de 2021, foram desmatados 502,4 hectares no interior da TI, o que equivale a cerca de 300 mil árvores derrubadas.
As imagens de alta resolução do satélite Planet mostram diversas áreas abertas ilegalmente, localizadas muito próximo aos limites do território indígena. O desmatamento detectado sugere a abertura de uma estrada vicinal ilegal que já destruiu aproximadamente 72 hectares de floresta e avança em direção ao interior da TI.
O sobrevoo realizado na área, em janeiro de 2022, pelo ISA comprova que clareiras podem ser vistos a olho nu e a destruição da floresta avança de forma avassaladora para o interior do território indígena rumo à região habitada pelos isolados.
O desmatamento acumulado no interior desse território já atingiu 2.240 hectares, mais de um milhão de árvores derrubadas. Essa soma toma como base a série histórica dos dados do sistema Prodes do Inpe (que computa a taxa oficial de desmatamento na Amazônia) complementados pelo sistema Sirad na TI Pirititi, a partir de abril de 2020.
Os registros de desmatamento coincidem com o período que antecede o vencimento da portaria de restrição de uso, que pode abrir caminho a uma invasão ainda mais ostensiva. Como explica Antonio Oviedo, coordenador do Programa de Monitoramento de Áreas Protegidas do ISA:
"Quando o período de vigência da portaria está terminando, ocorre o aumento das invasões nesses territórios, como evidência da expectativa dos invasores de que a demarcação dessas terras não avance. Agregado a isso, a abertura de estradas, vicinais ilegais sem controle dos órgãos socioambientais, facilita o escoamento de madeira saqueada dentro da Terra Indígena."
Invasores se sobrepõem à terra dos isolados
Outra pressão que a TI Pirititi sofre é com o registro irregular de imóveis por meio do Cadastro Ambiental Rural (CAR). Atualmente, há 40 cadastros inseridos de forma irregular no Sistema do Cadastro Ambiental Rural (SICAR). Estes registros estão classificados como “ativos” e cobrem uma área que representa 54 % do total da TI.
De acordo com Oviedo, a medida necessária para salvaguardar as vidas dos povos indígenas isolados é a intervenção urgente. Para isso, complementa, permanecem indispensáveis operações de fiscalização para combater a abertura de ramais ilegais e evitar a entrada de novos invasores na TI Pirititi, além de medidas emergenciais para a efetivação dos trabalhos do Grupo Técnico (Portaria 481/2022 de 24.02.2022), constituído para realizar os estudos necessários para a conclusão da demarcação do território. A ausência destas medidas podem provocar o genocídio dos indígenas isolados da TI Pirititi, finaliza o pesquisador.
Pirititi na mira do Linhão
Em Roraima, um estado que protagoniza diferentes conflitos fundiários relacionados à presença de garimpeiros e outros invasores em territórios indígenas, há outros vetores de pressão: a iminência da construção, no sul do estado, do Linhão de Tucuruí. A linha de transmissão pode ser implementada ao longo do eixo da BR-174, que corta a TI Waimiri-Atroari em 125 km e impacta a zona de amortecimento da TI Pirititi.
A obra consiste na construção de torres gigantescas a uma distância segura em relação à estrada, implicando novos desmatamentos ao longo de todo o trecho rodoviário e dificultando a conexão entre as partes do território separadas pela estrada e todos os processos ecológicos envolvidos.
A TI Pirititi faz limite e tem alta conectividade com a TI Waimiri-Atroari, localizada no município de Rorainópolis. Segundo a Funai, essa TI tem um registro “confirmado”, que comprova a existência de um povo indígena em isolamento e, desde 2012, a TI tem uma portaria de restrição, renovada seguidas vezes, que garante a proteção do território.
Contudo, esse mecanismo que protege a TI Pirititi caduca hoje (9) e, até o momento, a Funai não se pronunciou se vai garantir o direito ao território para esses indígenas. A omissão do órgão e o projeto do Linhão podem aumentar as tensões e invasões ao território.
Nas terras indígenas monitoradas pela "Campanha Isolados ou dizimados", a Funai tem demorado a publicar restrições de uso, aumentando a insegurança territorial e com isso proporcionado avanço das invasões, ou em alguns casos, só publicando a portaria de restrição mediante determinação judicial, como foi o caso com a TI Ituna Itatá (PA) (acesse a petição e saiba mais).
Em 2021, o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou uma Ação Civil Pública (ACP) em que expediu recomendações para proteger o povo indígena isolado Pirititi, visando a demarcação da TI e a determinação de ações de combate às infrações ambientais.
Em fevereiro deste ano, a Funai publicou a portaria que instituiu o Grupo Técnico para elaboração de relatório de estudos para qualificar a identificação da TI Pirititi. Conforme a norma, o relatório deve ser entregue até julho de 2022 e garantir o início do processo demarcatório. A portaria também previa a realização de trabalhos de campo com período de 30 dias. Até agora, nenhuma viagem dos componentes que compõem o GT foi realizada.
A ação relata que a existência dos Pirititi é ameaçada pelo avanço de madeireiros e grileiros. Em 2018, o Ibama promoveu a maior apreensão de madeira ilegal da história de Roraima (7.387 toras, equivalentes a 15.000 m³), na região dos Pirititi. E nos últimos dois anos, o sistema de monitoramento independente do ISA, o Sirad, vem detectando invasões e pequenos desmatamentos na TI.
Apesar das evidências de invasões e desmatamentos, os procedimentos para formalização da demarcação jamais foram iniciados. Devido à demora em regularizar a área, a ACP pede a realização da demarcação num prazo de três anos.