O sócio fundador do ISA Márcio Santilli analisa o provável aumento da polarização do debate sobre meio ambiente e povos indígenas no Legislativo a partir dos resultados do 1º turno das eleições
Embora a agenda socioambiental não tenha sido debatida em profundidade na campanha eleitoral, os resultados do primeiro turno já indicam um recrudescimento qualitativo no trato da questão no Congresso.
Do ponto de vista numérico, não houve grandes alterações na correlação de forças. Bancadas antagônicas saíram fortalecidas, como as do PL e do PT, partidos dos dois principais candidatos à Presidência.
O orçamento secreto certamente cacifou o “centrão” governista, que tomou espaços dos partidos do centro e direita mais convencionais, ligados aos candidatos presidenciais menos votados. PSB, PDT, PSDB e Cidadania diminuíram, enquanto cresceu a federação do PSOL com a Rede.
A bancada bolsonarista cresceu no Senado, mas houve ganhos pela esquerda também. É provável que teremos um Senado mais polarizado e com menor interlocução. A mediação de interesses poderá ser melhor exercida pelo Executivo, caso se confirme a vitória de Lula no segundo turno. O petista tem maior capacidade e disposição para a negociação política.
Expressões opostas
As mudanças mais significativas e interessantes foram de caráter qualitativo, pelo perfil dos eleitos, que têm relação mais próxima com a agenda socioambiental, para o bem e para o mal.
Na bancada federal paulista, há exemplos eloquentes. A deputada Carla Zambelli (PL) reelegeu-se com extraordinários 940 mil votos, desbancando o próprio Eduardo Bolsonaro entre os bolsonaristas mais radicais. Ela foi superada no estado apenas por Guilherme Boulos (PSOL), que teve mais de um milhão de votos. Zambelli foi presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara e tem notória inclinação contrária à agenda da sustentabilidade. Também se elegeu por São Paulo, com grande votação, o ex-ministro do Meio Ambiente de Bolsonaro, Ricardo Salles (PL), o passador de “boiadas” contra o meio ambiente.
Em contrapartida, os paulistas foram generosos ao acolher e eleger duas novas deputadas diretamente ligadas a essa agenda: Marina Silva (Rede), acreana e ex-ministra do Meio Ambiente de Lula, e Sonia Guajajara (PSOL), maranhense e integrante da coordenação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). Também reelegeu-se o deputado Nilto Tatto, secretário do Meio Ambiente do PT, com cerca de 150 mil votos. Igualmente foi eleito o seu irmão, Jilmar Tatto (PT), numa proeza familiar que duplica o seu poder de voto na Câmara.
Além deles, por outros estados, parlamentares com atuação importante na agenda socioambiental que conseguiram manter seus mandatos na Câmara são Tábata Amaral (PSB-SP), Talíria Petrone (PSOL-RJ) e Túlio Gadêlha (Rede-PE).
Infelizmente, Camilo Capiberibe (PSB-AP), Rodrigo Agostinho (PSB-SP) e Alessandro Molon (PSB-RJ) não conseguiram se reeleger. Agostinho é ex-coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista e ficou como primeiro suplente, sendo provável que retome o mandato caso outro parlamentar de seu partido assuma um cargo executivo. Molon é o atual coordenador da frente, candidatou-se ao Senado e perdeu as eleições.
Bancada indígena
Além da Sonia, o movimento indígena também apoiou a eleição da deputada Célia Xakriabá (PSol-MG), ampliando a presença dos povos originários no parlamento. Infelizmente, Joênia Wapichana (Rede-RR), a primeira deputada federal indígena do Brasil, não conseguiu se reeleger, apesar de ampliar em mais de um terço a votação obtida nas eleições anteriores. Ela foi a sexta mais votada em seu estado, mas a federação partidária pela qual se candidatou, entre Rede e PSOL, não alcançou o quociente eleitoral.
Há outros cinco parlamentares eleitos para o Congresso autodeclarados indígenas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE): na Câmara, Silvia Waiãpi (PL-AP), Juliana Cardoso (PT-SP) e Paulo Guedes (PT-MG); no Senado, Hamilton Mourão (REP-RS), vice-presidente, e Wellington Dias (PT), ex-governador do Piauí.
Vale destacar que parte importante dos votos obtidos por Sonia e Célia não vieram de eleitores indígenas, mas de não indígenas de zonas urbanas. Ao que parece, há uma significativa receptividade à questão indígena em segmentos da sociedade que, antes, não se posicionavam sobre isso.
Amazônia sob pressão
O cenário político da Amazônia também promete grande tensão. Bolsonaro foi mais votado na região do chamado Arco do Desmatamento, que elegeu vários representantes de interesses ligados à extração predatória de recursos naturais. O avanço da devastação na região no mandato de Bolsonaro, assim como o orçamento secreto, fortaleceram esses segmentos.
Caso o modelo predatório de exploração de recursos continue sendo promovido pelo governo no próximo mandato, o Brasil certamente sofrerá graves sanções internacionais pelo enorme impacto negativo para as já debilitadas condições do clima global. Na hipótese, mais provável, de vitória do Lula, esses atores resistirão à adoção de políticas pela sustentabilidade ambiental na Amazônia.
Por outro lado, as condições climáticas continuarão piorando em função dos danos já acumulados. Todos os países sofrem com essa situação e os impactos sobre o Brasil já têm sido devastadores, como atestam as secas e enchentes que destroem as cidades, afetam a produção agrícola, a geração de energia e o abastecimento de água. A tendência é de acirramento de conflitos de interesse, caso não sejam tomadas providências efetivas e urgentes para a redução de danos.
Portanto, o clima político também deve esquentar. Com representantes mais qualificados e aguerridos, de ambos os lados, vai se acirrar o debate sobre a proteção da Amazônia e dos demais biomas, assim como sobre toda a agenda socioambiental. O povo brasileiro, como um todo, terá que se posicionar, para que o país possa recuperar o tempo perdido e construir um presente melhor e um futuro mais promissor para as próximas gerações.