Modelo inovador de gestão contempla comunidades e se torna referência para comercialização de produtos das roças tradicionais no Vale do Ribeira (SP)
Há 10 anos na luta por reconhecimento e valorização, a Cooperativa dos Agricultores Quilombolas do Vale do Ribeira (Cooperquivale), com sede em Eldorado (SP), inovou em seu modelo de atuação e consegue, hoje, ser uma referência na comercialização de produtos de roças tradicionais para gerar renda e biodiversidade na Mata Atlântica.
Criada em outubro de 2012, a cooperativa é composta por cerca de 240 quilombolas cooperados e cooperadas de 19 comunidades dos municípios de Jacupiranga, Eldorado, Iporanga e Itaóca, no Vale do Ribeira, sudeste do Estado de São Paulo.
“Celebrar esses 10 anos é mostrar o quanto nós estamos há anos na luta para que o nosso trabalho seja reconhecido como referência no fornecimento de produtos e também para a gente lembrar da nossa capacidade de produzir e comercializar”, contou Michel Guzanchi, atual coordenador da Cooperquivale.

Atualmente, a Cooperquivale comercializa mais de 70 variedades de alimentos da agrobiodiversidade para programas de compras institucionais, como o Programa de Aquisição de Alimentos na modalidade de Doação Simultânea (PAA-DS) e Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), além de realizar feiras para comercialização direta.
Os alimentos, o jeito de produzir e os modos de vida quilombola fazem parte do Sistema Agrícola Tradicional Quilombola (SATQ), reconhecido em 2018 como patrimônio imaterial do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). A cooperativa é, assim, uma forma de salvaguardar esse patrimônio ao manter vivo um sistema que existe há séculos.
“A Cooperquivale é uma vitória dos quilombolas, que nesses 10 anos construíram mais um caminho de resistência. Além da luta pelo território, que não está resolvida, eles mostram a força da organização coletiva quilombola visando melhorar as perspectivas de vida e comercializando os alimentos da sua agrobiodiversidade, tudo isso com estratégias de comércio justo e solidário”, afirma Frederico Viegas, coordenador do programa Vale do Ribeira do Instituto Socioambiental (ISA).
Buscando novos campos de comercialização
Nos dois últimos anos, com a pandemia da Covid-19, a Cooperquivale viu seu trabalho se expandir para além da comercialização por meio de políticas públicas e passou a conectar raízes negras dos quilombos e das periferias.
A iniciativa Quilombo&Quebrada une as comunidades do Vale do Ribeira e áreas periféricas da capital paulista - ambos espaços de origem negra - por meio da comercialização dos alimentos produzidos nos quilombos do Vale do Ribeira.

Em parceria com os coletivos Mulheres de Orì e Kitanda das Minas, a Cooperquivale realiza feiras mensais que levam os alimentos e as mensagens dos quilombos para novos espaços, que promovem a discussão sobre racismo ambiental, movimentos negros e alimentação saudável.
As feiras Quilombo&Quebrada acontecem mensalmente no Jardim Lapena, no bairro São Miguel Paulista, e em Cidade Tiradentes, na zona leste de São Paulo. Conheça:
Conexão Quilombo e Favela
A aproximação entre a cooperativa quilombola e a periferia de São Paulo é recente. Em 2020, durante a pandemia, a Cooperquivale, junto a parceiros locais, precisou elaborar um plano emergencial de captação de recursos para pagar os seus custos e remunerar agricultores e agricultoras, além de distribuir os alimentos de suas roças que pararam de ser comercializados durante a crise sanitária.
Esses alimentos foram distribuídos em 11 municípios do Estado de São Paulo. Na capital paulista, eles chegaram até a favela Jardim São Remo, na zona oeste. Assim, os produtos excedentes das roças tradicionais não se perderam e ainda foi possível minimizar o impacto da insegurança alimentar de cerca de 42 mil pessoas que puderam receber cestas de alimentos das comunidades quilombolas.
Essa história é contada no minidocumentário Do quilombo pra favela: Alimento para a resistência negra, que mostra como a cooperativa se organizou nos últimos anos e pôde se conectar com um espaço da cidade por meio do alimento. O filme foi produzido pelo ISA em parceria com a Cooperquivale e as associações quilombolas do Vale do Ribeira. Assista:
Apenas com o plano emergencial, em dois anos foram 330 toneladas de 56 variedades de alimentos distribuídos no Estado. E com as feiras na periferia, a expectativa é de alcançar ainda mais pessoas.
“Tive a oportunidade de conhecer as favelas São Remo e o Jardim Lapena e, para mim, é uma experiência muito boa poder produzir para quem está nas quebradas e saber que eles estão comendo produtos sem química, assim como nós aqui nas comunidades", contou João da Mota, cooperado do quilombo Nhunguara, que participou do plano emergencial e que agora é um dos agricultores que entregam alimentos para o Quilombo&Quebrada.
Dez anos para celebrar
Em outubro, a Cooperquivale promoveu um grande almoço e baile dançante para quilombolas e parceiros que vêm fortalecendo a luta quilombola ao longo dessa década.

Foram cerca de 150 pessoas, dentre agricultores de comunidades do Alto e Médio Ribeira, parceiros do Instituto Socioambiental (ISA), Cooperativa dos Produtores Rurais e da Agricultura Familiar do Município de Juquiá (Coopafarga), CooperCentral, grupo que reúne outras cooperativas de agricultura familiar e produtores rurais da região do Vale do Ribeira, além de representantes da prefeitura de São Paulo.
O almoço foi um momento importante para relembrar as diretrizes da Cooperquivale. “A liberdade não tem preço. Ela é feita de luta. São 500 anos de luta representados em 10 anos de trabalho da nossa cooperativa”, lembrou Osvaldo dos Santos, do quilombo de Porto Velho (Iporanga) e um dos coordenadores e fundadores da organização.
Edição: Roberto Almeida