Em reunião com representantes do Estado de São Paulo, lideranças pediram a elaboração de um Plano Estadual de Regularização Fundiária para os territórios quilombolas
**Texto alterado às 12:10 do dia 21/06/2023, atualizando a data da nova reunião com o ITESP
Em reunião na semana passada na sede da Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (ITESP), 30 lideranças quilombolas de 18 comunidades do Vale do Ribeira (SP) questionaram a demora na conclusão dos processos de titulação dos territórios e a frequente paralisação desses procedimentos mediante a renovação de cargos de gestão da instituição.
“Tem muita demora. Nós precisamos de um trabalho que dê realmente continuidade, não pode parar”, defendeu Edvina Silva (Dona Diva), do Quilombo Pedro Cubas de Cima.
Em São Paulo, o ITESP é responsável pela identificação e titulação das terras quilombolas sobrepostas a terras públicas estaduais para fins de regularização fundiária, assim como pela assistência técnica e apoio ao desenvolvimento socioeconômico das comunidades.
Com a reorganização administrativa do governo estadual após a eleição de Tarcísio de Freitas (Republicanos), o instituto foi retirado da Secretaria de Justiça e realocado junto à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo (SAA).
A reunião contou com a participação de representantes do ITESP, na figura do Diretor Executivo, Guilherme Piai Filizzola, da Assessora de Quilombos, Andrea Aparecida Prestes João, do Diretor Adjunto de Políticas de Desenvolvimento, Edson Alvez Fernandes, e do Diretor Adjunto Recursos Fundiários, Thiago Francisco Neves Gobbo, além do Coordenador de Políticas para a População Negra da Secretaria Estadual de Justiça, Robson Silva Ferreira e de representantes do Instituto Socioambiental (ISA) e da Equipe de Articulação e Assessoria às Comunidades Negras (EEACONE).
A ausência não justificada do Secretário de Agricultura e Abastecimento do ITESP, que havia confirmado presença, foi considerada desrepeitosa pelas representações quilombolas, assim como a do Diretor do ITESP, que deixou a reunião antes do término para conceder uma entrevista.
O Estado de São Paulo possui uma legislação própria para a titulação de territórios quilombolas desde 1999 mas, até o momento, apenas seis comunidades quilombolas foram parcialmente tituladas e outras 36 comunidades oficialmente reconhecidas lutam pela garantia final de seus direitos territoriais. Nesse ritmo de trabalho, o governo de São Paulo levaria 144 anos para titular parcialmente todos os territórios quilombolas do estado.
“Quanto tempo o ITESP levará para titular todos os nossos territórios? Quantas gerações de quilombolas passarão até que tenhamos nossos territórios titulados integralmente? A luta pela conclusão dos processos administrativos para titulação desses territórios tradicionais já se estende por mais de 20 anos e, até o momento, não foi adotada nenhuma medida administrativa significativamente apta a dar andamento a esses processos”, questiona a EEACONE em nota nas redes sociais.
“Já se passaram 135 anos da abolição formal e inconclusa da escravidão, assim como mais 35 anos da promulgação da Constituição Federal que reconheceu o direito das comunidades quilombolas à titulação de seus territórios. Esse estado inconstitucional de coisas viola frontalmente o direito à duração razoável do processo previsto no art. 5º, LXXVIII da Constituição Federal”, ressalta Fernando Prioste, advogado popular no ISA.
As lideranças lembraram que, uma vez titulados, os territórios que têm áreas ocupadas por terceiros precisam passar pelo processo de desintrusão. Com todos os documentos referentes ao território em mãos, quilombolas do Vale do Ribeira têm um instrumento de combate ao racismo ambiental.
Os quilombolas também cobraram a elaboração de um Plano Estadual de Regularização Fundiária de todos os territórios quilombolas do estado, com metas de atuação e prazos definidos, e o estabelecimento de estabelecimento de reuniões periódicas com as representações quilombolas para a continuidade do diálogo sobre a titulação dos territórios.
Os representantes do ITESP também foram alertados sobre o dever de consulta prévia, livre e informada às comunidades quilombolas, como o estabelecido pelo Protocolo de Consulta Prévia dos Territórios Quilombolas do Vale do Ribeira.
A Consulta prévia é direito fundamental de povos e comunidades tradicionais, segundo a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), e fundamenta a garantia de outros direitos, como a autodeterminação dos povos e o território tradicional.
Ao final da reunião, Guilherme Piai se comprometeu a trabalhar pela recomposição da equipe técnica e do orçamento do ITESP, e pela retomada da conversa em um novo encontro, que ficou marcado para o dia 16 de agosto, desta vez, no Vale do Ribeira.
“Os representantes do ITESP presentes deram respostas vagas, afirmando que já solicitaram o aumento de orçamento de maneira geral e que estão para fazer parceria com a iniciativa privada, sem detalhar como isso se daria, mas se comprometeram a retomar as discussões do Conselho Gestor para dar andamento ao solicitado”, registra a EEACONE na publicação.
No mesmo dia, os representantes das associações quilombolas do Vale do Ribeira se encontraram com representantes do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).
Reunião produtiva com o INCRA
**Nota publicada pela EAACONE em 07/06/2023
Fomos bem recebidas no INCRA pela Superintendente Sabrina Diniz, assim como por Mauro Baldijão, chefe da Divisão Fundiária do INCRA, Elvio Motta, da Coordenação do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) em São Paulo e Luciano Delmondes de Alencar, chefe de divisão do Escritório Estadual MDA.Expusemos ao INCRA nossas demandas, apontando a pauta da titulação dos territórios tradicionais como prioritária. Destacamos que as ações de regularização fundiária não estão avançando e contam com retrocessos. Nos últimos seis anos quase nada foi feito.
Como prioridade, demandamos a retomada das mesas de diálogo entre as comunidades e o INCRA, que são espaços onde o instituto e as comunidades se reúnem, periodicamente, para tratar do andamento dos processos de titulação. Também pleiteamos a realização de um Plano Estadual de Titulação dos Territórios Quilombolas, onde se aponte a demanda existente e quais seriam as ações necessárias para que todos os territórios quilombolas sejam titulados em um prazo razoável, como determina a Constituição Federal. Também demandamos o acesso à políticas públicas que auxiliem na produção agrícola, como acesso à crédito e à assistência técnica rural.
O INCRA sinalizou de forma positiva quanto às demandas apresentadas, afirmando que entende ser necessária e adequada a retomada das mesas de diálogo, e que a elaboração de um plano estadual de titulações, com objetivos, metas e indicadores auxilia a organizar a atuação do Estado e o monitoramento do andamento das políticas públicas pelas comunidades.
A Superintendente do INCRA afirmou que a instituição passa por grandes dificuldades, que vão da ausência de recursos financeiros para as ações à desestruturação da organização administrativa da instituição. Mas essas dificuldades devem ser superadas em breve, e que a transparência, o diálogo e o compromisso com a pauta quilombola serão eixos estruturantes das ações.
As representações do MDA presente na reunião afirmaram que o Ministério está em processo de estruturação, e que deverá ser aberto um escritório do MDA no Vale do Ribeira, para viabilizar diálogos e a realizações de ações através da retomada dos territórios da cidadania.
Avaliamos que essa primeira conversa com o INCRA e o MDA foi produtiva, mas que de agora em diante as ações precisam ser retomadas para que os direitos possam ser implementados na prática.