Projeto prevê diretrizes gerais para planos nacional, estaduais e municipais, além de fontes de financiamento. Pressão ruralista deve continuar durante tramitação
Texto atualizado em 29/2/2024, às 18:17
Errata: informamos inicialmente que, com as alterações promovidas no parecer do PL 4.129/2021, o agronegócio não seria mais obrigado a ter um “plano próprio” de adaptação climática. Na verdade, as mudanças desvinculam os planos de adaptação do setor à execução do “Plano ABC” de economia de baixo carbono na produção rural.
Nesta quarta (28), a Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado aprovou, por votação simbólica, uma proposta que estabelece diretrizes e critérios gerais nacionais para a formulação e implementação dos planos nacional, estaduais e municipais de adaptação às mudanças climáticas. O PL 4.129/2021 segue agora para o plenário e, se for aprovado, volta à Câmara.
O relator, senador Alessandro Vieira (MDB-SE), havia previsto que os planos de adaptação da agropecuária deveriam estar vinculados necessariamente à implementação do plano para a Consolidação de uma Economia de Baixa Emissão de Carbono na Agricultura (Plano ABC). Criado em 2011, ele visa estimular práticas e tecnologias para redução das emissões de gases de efeito estufa no setor.
Vieira acabou acatando parcialmente uma emenda do senador Zequinha Marinho (Podemos-PA) e alterou esse ponto. Segundo a nova redação, os planos de adaptação para a produção rural deverão basear-se apenas no estímulo à “pesquisa, desenvolvimento e inovação ou na implementação de práticas, processos e tecnologias ambientalmente adequadas e economicamente sustentáveis”.
Os incentivos previstos no texto alterado promoveriam uma “transição voluntária” permitindo que os produtores se “adaptem gradualmente, minimizando riscos e maximizando a eficiência operacional”, segundo a justificativa da emenda. Marinho ainda tentou inserir vantagens adicionais para o setor, por meio de um mecanismo de pagamento por serviços ambientais (PSA), mas o relator não acatou a ideia.
“É mais importante você contar com a adesão do setor. Mecanismos para ter essa adesão são menos importantes na minha opinião”, justificou Vieira, em entrevista à reportagem do ISA após a sessão.
"A proposta inicial do relator era mais ambiciosa, indicando a obrigação da implementação do Plano ABC, considerando a urgência que os efeitos climáticos extremos ganharam. O que se viu no final foi a modificação desse dispositivo, prevendo estímulos para o setor, sob justificativa de garantia de uma transição 'suave e eficaz' em direção a um modelo menos emissor de gases de efeito estufa”, explica Ciro Brito, assessor do ISA.
Pressões
São esperadas novas pressões e possíveis alterações no texto. No final da sessão da CMA, o senador Jayme Campos (União-MT) avisou que vai apresentar um requerimento para que a Comissão de Agricultura (CRA) analise a proposta antes dela ir ao plenário. A correlação de forças no colegiado é amplamente favorável aos ruralistas.
O tema da adaptação das mudanças climáticas ganhou mais visibilidade em 2023, o ano mais quente já registrado, por causa da grande quantidade de eventos climáticos extremos em todo o mundo. O Brasil alcançou o recorde de 1.161 eventos em 1.038 municípios monitorados, o maior número já verificado pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), desde 2019, quando os registros começaram.
A série de secas, enchentes e tempestades foi causada pelo aquecimento das águas da região equatorial do Pacífico, o El Ñino. O fenômeno tem causas naturais, mas, segundo os cientistas, está sendo potencializado pelas mudanças climáticas.
Texto aprimorado
A avaliação de organizações da sociedade civil é de que as alterações promovidas por Vieira aprimoraram o texto original, de autoria dos deputados Tábata Amaral (PSB-SP), Nilto Tatto (PT-SP), Joenia Wapichana (REDE-RR), Alessandro Molon (PSB-RJ), Camilo Capiberibe (PSB-AP) e Talíria Petrone (PSOL-RJ).
A redação saída da CMA do Senado determina que os planos de adaptação municipais e estaduais priorizem áreas, setores e populações mais vulneráveis, incluindo aí critérios de “etnia, raça, gênero e condição de deficiência”. As ações desses planos deverão ser monitoradas e avaliadas e eles deverão ser revistos a cada quatro anos. Além disso, o PL estabelece mecanismos de monitoramento da agenda de adaptação climática nos três níveis federativos.
A articuladora da Rede por Adaptação Antirracista, Mariana Belmont, considera que a aprovação do projeto é um avanço. “Precisamos urgentemente de políticas públicas que contenham medidas efetivas de adaptação para responder aos efeitos dos eventos climáticos extremos sobre a vida das populações das cidades, da floresta e do campo”, aponta. "Estamos vivendo no Brasil desigualdades sociais e territoriais decorrentes dos impactos e efeitos do aquecimento do planeta e quem mais sofre é a população negra e periférica nas cidades”, comenta. “O racismo ambiental acontece nos territórios negros das cidades, nos territórios quilombolas e indígenas do país”, continua.
Outro item da proposta considerado positivo é a garantia de participação da sociedade civil na coordenação e gestão dos planos de adaptação nas várias esferas de governo.
"A sociedade civil foi expressamente incorporada tanto à coordenação quanto à governança dos planos de adaptação. Inicialmente essa participação estava restrita ao arranjo institucional do plano nacional e por meio de uma única instância. Agora, a participação se espraia para os âmbitos estaduais e municipais e não se restringe a um único fórum", completa Brito.
Financiamento
O PL também permite que a cooperação internacional e o Fundo Nacional de Mudança Climática (FNMC) financiem a elaboração e implantação dos planos municipais e estaduais.
Vieira avaliou que esse é um “primeiro passo” para conseguir mais recursos para a adaptação climática. “A partir do monitoramento, você vai ter clareza se [os recursos] são suficientes ou se precisam ser suplementados. Você não começa uma construção pelo telhado. Vai começando do alicerce, vamos identificando as demandas, vamos crescendo o orçamento”, completou.
A gerente de projetos da Fundação Grupo Boticário, Juliana Baladelli Ribeiro, considera que, como uma proposta de lei de diretrizes gerais, o PL não vai resolver a questão do financiamento da adaptação climática, mas abre caminho para programas e políticas destinadas a esse fim.
“Para a questão do financiamento, é muito importante ter um plano de adaptação. Isso quer dizer que você está olhando para o risco climático, que você terá um financiamento mais seguro”, analisa. “Por exemplo, o Banco Mundial só vai colocar recursos onde houver gestão do risco climático. Essa já é uma premissa do Banco Mundial. Os financiadores já estão começando a olhar para isso”, explica.
Quais os principais pontos do PL 4.129?
Áreas e populações prioritárias. Os planos de adaptação nacional, municipais e estaduais deverão priorizar áreas e populações mais vulneráveis, conforme critérios de "etnia, raça, gênero e condição de deficiência”. Esses critérios deverão levar em conta a “identificação, quantificação e reporte contínuo das vulnerabilidades e ameaças climáticas”.
Apoio aos municípios. Priorização dos municípios mais vulneráveis e a possibilidade de criação de “consórcios intermunicipais”.
Participação social. Garantia de participação social na coordenação e gestão dos planos nas várias esferas de governo.
Financiamento. Possibilidade de acesso ao Fundo Nacional de Mudança Climática (FNMC) e à cooperação internacional para o financiamento da elaboração e das ações dos planos.
“Soluções baseadas na natureza”. Adoção de “soluções baseadas na natureza”, a exemplo da restauração florestal e da criação de áreas protegidas urbanas, como parte das estratégias de adaptação, considerando os benefícios adicionais e sinergias com as ações de mitigação.