Em seu primeiro ano, iniciativa contou com a participação de quatro cineastas e reuniu cerca de 630 pessoas em São Gabriel da Cachoeira (AM)
Em São Gabriel da Cachoeira, cidade do Amazonas às margens do Rio Negro e cercada pela floresta, diariamente, por volta das 18h30, acontece a revoada dos pássaros japu. E logo após esse horário, quinzenalmente, chega também a hora do Cine Japu.
O projeto levantou voo em 2023 por iniciativa do Instituto Socioambiental (ISA), com participação da Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas. Até o momento, foram promovidas 15 sessões, reunindo um público de cerca de 630 pessoas – média de 42 por sessão. Na plateia, de predominância indígena, há estudantes, professores, religiosos, funcionários públicos, militares, pessoas de todas as idades.
Além das sessões de cinema, o Cine Japu promove rodas de conversa e encontros para ampliar horizontes, fortalecer a cultura indígena, conectar pessoas, mostrar realidades diversas, informar e divertir.
Para a coordenadora-adjunta do Programa Rio Negro do ISA, Natália Pimenta, o Cine Japu é um projeto que vem promovendo o encontro de que aproxima a organização da cidade de São Gabriel da Cachoeira, seus moradores e instituições e, por isso, é tão importante. “Com o Cine Japu, estamos convidando as pessoas para virem ao ISA, que está de portas abertas para a comunidade de São Gabriel”, falou.
À frente dessas rodas, conduzidas pela comunicadora Suellen Samanta, povo Baré, estiveram quatro cineastas: Moisés Baniwa, Mariana Lacerda, Júlia Berstein e Maya Da-Rin. Outros debates foram realizados por funcionários públicos, pesquisadores e lideranças indígenas.
“Conseguimos trazer nas sessões emoção e reflexão para os nossos espectadores, principalmente chamando atenção para diversas questões e realidades. O Cine Japu também possibilitou a transmissão de valores de luta, sobrevivência e conquistas dos direitos da causa indígena. Através do cinema e da arte, conseguimos alcançar este espaço de grande importância e representatividade para a população gabrielense”, refletiu Suellen Samanta.
As sessões de 2023 foram inauguradas e encerradas por indígenas. A primeira exibição do Cine Japu aconteceu em maio, com o filme Wayuri, de Diana Gandra, documentário que traz a história dos cinco primeiros anos da rede de comunicadores. Na roda de conversa, estavam os protagonistas: os próprios comunicadores.
Na mesma noite foi exibido o documentário Wetapena Nette Ianhapakatti (“Nossos remédios e benzimentos”), de Moisés Baniwa, também presente na sessão.
Já na última exibição de 2023, em novembro, o Cine Japu – que acontece no telecentro do ISA – levantou voo e chegou à Maloca-Casa do Saber da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), com o lançamento em São Gabriel da Cachoeira do documentário Rionegrinas, que narra a história de luta e resistência das mulheres dentro do movimento indígena do Rio Negro.
A primeira exibição do documentário aconteceu em setembro, na Marcha das Mulheres Indígenas, em Brasília, em comemoração aos 20 anos do Departamento das Mulheres Indígenas do Rio Negro (DMIRN-Foirn).
O Cine Japu também recebeu ao longo de 2023 três diretoras de cinema. A cineasta Mariana Lacerda trouxe o delicado e impactante Gyuri, com exibições em Boa Vista, Manaus e São Gabriel da Cachoeira. Ela conduziu a roda de conversa ao lado da liderança indígena Braz França, povo Baré, – que faleceu alguns meses depois – e da artista Rosi Waycon, do povo Piratapuya. O filme mostra a ligação da fotógrafa Claudia Andujar com o povo Yanomami.
Na plateia, a enfermeira Clara Opoxina, que trabalha com os Yanomami, se emocionou ao comentar que a crise retratada na tela estava se repetindo no atual momento devido à invasão garimpeira.
A cineasta Julia Bernstein participou da sessão que exibiu o filme Karai ha'egui kunha karai 'ete - Os Verdadeiros Líderes Espirituais, de Alberto Alvares. Ela fez parte da equipe de filmagens. Júlia Bernstein desenvolveu oficinas com comunicadores indígenas e repassou sua experiência.
Para ela, o cinema pode aproximar os jovens indígenas de suas tradições. “O audiovisual, que é uma coisa da tecnologia, que interessa muito aos jovens, pode reconectar os jovens com a tradição também. O que o Alberto faz é a preservação da memória, do modo de vida Guarani e da história das pessoas”, disse ela, na roda de conversa.
Maya Da-Rin exibiu em São Gabriel da Cachoeira o filme A Febre, conduzindo a roda de conversa. No elenco do filme estão dois indígenas de São Gabriel da Cachoeira: Regis Myrupu e Rosa Peixoto. Boa parte dos diálogos é em língua indígena. Na plateia formada principalmente por indígenas de São Gabriel, muitos reconheceram sua língua.
“Eu esperei muito pelo lançamento do filme aqui em São Gabriel da Cachoeira e ainda sonho com a exibição no território indígena. Logo após o filme ficar pronto, veio a pandemia. E isso atrasou esse encontro que acontece agora”, disse. Maya Da-Rin também realizou uma oficina de cinema com os comunicadores da Rede Wayuri.
O senhor Laurentino, povo Desana, conhecedor tradicional, assistiu ao filme e falou da importância da história de cada indígena. “Cada um de nós tem a sua história. O indígena tem que ser protagonista da sua história”, disse.
Essa exibição contou com a presença especial do Dr. Dráuzio Varella, médico, escritor e comunicador que estava em São Gabriel e foi conhecer o Cine Japu.
Em uma parceria com projeto do Museu de Berlim, em uma das sessões foram exibidas entrevistas gravadas no Rio Negro com a temática do contato entre indígenas e não indígenas. A roda de conversa foi conduzida pelo comunicador Ray Baniwa. Na plateia, estudantes de arqueologia da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) trouxeram a importância do projeto trazer as narrativas indígenas.
Em duas sessões, foram feitos convites especiais a duas comunidades: Os moradores do Waruá, do povo Dâw, assistiram ao filme Gyuri. Já a comunidade de Itacoatiara Mirim contou com a presença da liderança indígena, Luiz Laureano, para assistir ao filme A Febre.
O Cine Japu também promoveu uma sessão infantil, indo até a Escola Mamãe Margarida, voltada a crianças portadoras de necessidades especiais.
Entre outros convidados, também conduziram as rodas de conversa a antropóloga do ISA Dulce Morais, a economista do ISA Ana Letícia Pastore, a defensora Isabela Sales, a coordenadora do DMIRN, Cleocimara Reis, do povo Piratapuya e as lideranças femininas Edneia Teles, do povo Arapasso e Rosilda Cordeiro, do povo Tukano.
Um dos grandes incentivadores do projeto foi o arcebispo de São Gabriel da Cachoeira, Dom Edson Damiam, que esteve presente na maioria das sessões e ainda fez divulgações na missa na catedral da cidade. Entre outros apoiadores estão o Instituto Federal do Amazonas (IFAM), Universidade do Estado do Amazonas (UEA), Colégio São Gabriel, ICMBio, Defensoria Pública e Associação dos Artesãos Indígenas de São Gabriel da Cachoeira (Assai).
A primeira sessão de 2024 aconteceu ainda em abril, Mês dos Povos Indígenas. Na terça-feira, dia 30 de abril, a Sala Dagoberto Azevedo, Suegu, na sede do ISA, recebeu moradores da comunidade Waruá, alunos do curso de Letras da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), professores, pesquisadores e o público em geral para a exibição do filme Línguas da Floresta (direção Juliana de Carvalho e Vicente Ferraz). O filme traz imagens gravadas em São Gabriel da Cachoeira e outros locais.
No evento, uma roda de conversa com a presença de Roberto Sanches, liderança do povo Dâw, e do professor Flávio Ferraz, do povo Wanano, discutiu o fato de que em São Gabriel - a terceira cidade mais indígena do país - muitos dos nomes das ruas, praças e pontos turísticos não são em línguas indígenas.
As sessões do Cine Japu acontecem quinzenalmente às terças-feiras, às 19h, no Telecentro do ISA. A entrada é gratuita e ainda há distribuição de pipoca e suco. Participe!