Nos bastidores, em parceria com a campanha #IsoladosOuDizimados, artistas vão trazer uma mensagem especial sobre indígenas que rejeitam contato com o resto da sociedade
“A gente nunca pensou que a nossa música atravessaria o nosso território, agora, estamos no Rock in Rio. Isso é um sonho pra gente, mas também é uma retomada” conta Bruno, integrante e criador do Brô Mc 's, primeiro grupo musical indígena a pisar no festival Rock in Rio. Eles se apresentam no próximo dia 3 de setembro no palco Sunset, a convite do artista e rapper carioca, Xamã.
A realidade dos artistas indígenas Bruno Vn, Tio Creb, Kelvin Mbaretê e CH, integrantes do Brô, é o retrato real da pressão do agronegócio sobre as terras indígenas. Eles moram nas aldeias Bororo e Jaguapiru, quase que engolidos por grandes fazendas monocultoras situadas no município de Dourados, em Mato Grosso do Sul, a 235 quilômetros de Campo Grande.
Os artistas vivem em pequenos terrenos, encurralados pelo mar de fazendas do agronegócio que rodeiam a reserva Francisco Horta Barbosa, sobreposta às suas aldeias. Com pouco mais de 3,5 mil hectares, a reserva conta com a maior quantidade populacional indígena por metro quadrado no país, e chega a abrigar aproximadamente 20 mil indígenas dos povos Terena, Guarani e Kaiowá.
Essa condição é a prova viva da contradição dos discursos presidenciais de Bolsonaro: nessa reserva, visivelmente “é muito índio pra pouca terra”. A alta densidade populacional nas aldeias, o preconceito e a violência vivenciados pelos indígenas têm reflexo direto em uma taxa de suicídios três vezes maior do que a média nacional.
Foi por viverem imersos nessa cena de conflito e morte, que Bruno começou a se identificar com o rap. Em 2007, ainda criança, se sentiu atraído por um programa de rádio chamado “Ritmos na Batida”, que vez ou outra tocava rap, ritmo até então desconhecido e que logo ganhou atenção da aldeia. O flow de protesto cativou Bruno, que logo começou a se expressar, cantar e compor com seu irmão Clemerson.
Impulsionados por um professor, eles começaram timidamente a se apresentar em escolas e outros pequenos espaços culturais de Dourados e, finalmente, em 2009, Kelvin e Charlie também se aproximaram do rap e decidiram criar o primeiro grupo de rap indígena do Brasil. “Brô” é uma gíria comum entre os jovens da região e faz referência a palavra em inglês “brother”, que significa irmão, e deu o nome ao grupo.
“Eu entendi que essa era a minha forma para lutar em defesa da retomada do meu território sagrado. Eu me identificava com a raiva e indignação dos Racionais Mc’s, entendia que o que eles cantavam ali era fruto da injustiça. O que vivemos aqui é isso também [injustiça], por isso decidimos cantar”, diz Bruno.
Em suas letras - cantadas majoritariamente em guarani e Kaiowá - os Brô’s entoam e denunciam as consequências do empobrecimento cíclico em que seu povo foi condicionado, falam para os “seus” sobre o confinamento humano no espaço em que vivem, alertam sobre pressão e falta de oportunidade para os indígenas dessa região e reforçam suas ancestralidades e a importância das suas casas de reza.
Além da angústia e da denúncia das injustiças que os indígenas vivem, o Brô’s também anuncia a luta e resistência do seu povo através das retomadas.“Não é só uma questão política. As retomadas são um último suspiro para que a vida continue a existir. Não temos espaço para plantar, sofremos preconceito aqui. Estamos retomando nossas terras para viver”, explica Kelvin.
O movimento de reapropriação das terras ancestrais por parte dos indígenas Guarani e Kaiowá está se fortalecendo nos últimos anos, e é uma forma que eles encontraram de reivindicar seus territórios que foram sendo roubados pelo lobby do agronegócio.
As chamadas retomadas, que começaram a emergir nos anos 1980 e prosseguem até hoje, buscam a ocupação dos territórios que foram suprimidos dos indígenas. Em Mato Grosso do Sul, são ao todo 70 retomadas, que hoje protagonizam uma zona de conflito direto de ruralistas contra os indígenas da região, só neste ano.
As casas de sapé, vistas de longe, representam o símbolo da resistência do povo Guarani e Kaiowá: a reza. Ali, as casas de reza cobertas de palha são instrumento de luta e existência.
Clemerson, na foto, faz um sinal de reza, ele diz que esse símbolo representa seu povo, pois não é a forma mais direta de defesa.
“Não temos armas para combater os helicópteros que bombardeiam injustamente as nossas retomadas, temos a reza, única defesa desse povo”, afirma Clemerson. Retomada também será o nome do álbum que o grupo divulgará em breve.
Retomada e demarcação dos artistas indígenas
Após 13 anos de existência, o grupo ainda cria suas músicas em um espaço improvisado, construído pelo pai de Bruno e Clemerson. Ali, naquele quarto que se transformou em um estúdio, o grupo compõe, grava e difunde seu som de maneira independente.
A produção das músicas, em sua maioria, é feita inteiramente pelo grupo, que além de compor, realiza a gravação e mixagem de todas as suas composições. Apesar dos equipamentos de baixo custo, eles conseguem atingir um nível de qualidade sonora que impressiona seus parceiros.
Com apoio do cantor e DJ Alok, está em construção o estúdio e a produção do segundo disco oficial do grupo, previsto para lançamento em breve. A estrutura desse estúdio pretende apoiar outros rappers indígenas na produção musical.
Frente a tantas mudanças, os Brô’s atravessaram o seu território. E agora, estão a caminho do Rock in Rio. Após 37 anos de festival, que foi fundamental na consolidação de grandes nomes nacionais e internacionais, tornando-se parte da história e da cultura do nosso país, somente agora se reconhece a importância da presença indígena nesse espaço.
É com esperança de visibilidade que os Brô Mc’s chegam ao palco e tomam, em retomada, a cena artística do país.
“Eu falei que um dia a gente ia subir e retomar aquele palco do Rock in Rio, em uma vez que estive no Rio, há anos. Eu chamo de retomada porque estamos tomando o espaço como artista indígena, você não vê artistas indígenas em grandes palcos. Estamos fazendo a retomada, abrindo caminho para que outros artistas indígenas possam também estar nesse espaço e em outros, não vamos mais deixar de retomar”, comenta Bruno.
Brôs denunciam pressão aos isolados
O Brô, além de demarcar espaços em grandes palcos de disputa artística internacional, como o Rock in Rio, também atua em outras frentes para alertar a sociedade sobre a condição dos povos indígenas no Brasil. Em breve, será lançada uma animação, com música inédita do Brô Mc’s, que alerta sobre a condição dos povos indígenas isolados. Fiquem ligados!
O Chamado dos Isolados é uma produção que contará com uma música de autoria própria do grupo, em parceria com a comunicadora Lídia Guajajara, para alertar a sociedade sobre a atual condição dos povos indígenas que vivem em isolamento.
“Pra gente, compor e fazer parte da campanha é fortalecer a luta dos povos indígenas e fazer com que as pessoas conheçam a importância dos nossos parentes isolados”, diz CH.
A campanha #IsoladosOuDizimados alerta para o risco que povos indígenas isolados de quatro áreas diferentes no país correm, caso o governo federal não tome providências legais para a proteção desses territórios.
Em dezembro de 2022, as TIs Pirititi (RR), Jacareúba-Katawixi (AM), Piripikura (MT) estarão desprotegidas, pois os dispositivos que garantem sua sobrevivência, as Portarias de Restrição de Uso, vão vencer.
A campanha, assinada pela coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi), têm o objetivo de recolher assinaturas através de uma petição para pressionar a Funai a renovar as portarias e avançar com os processos de demarcação definitiva dos territórios.
Acesse a petição e ajude a proteger esses povos e seus territórios.