No fim de junho, dois indígenas foram mortos e sete ficaram feridos após uma tentativa de retorno ao território ancestral Guapo’y, no Mato Grosso do Sul
Bomba da Quinzena
O ataque de fazendeiros no Mato Grosso do Sul ao povo Guarani Kaiowá, no final de junho, expôs o grau de violência ao qual os indígenas estão submetidos no Brasil e também os trágicos efeitos da falta de demarcação dos territórios nos últimos quatro anos. Em Amambaí (MS), dois indígenas foram mortos e sete ficaram feridos na retomada do território ancestral. Em maio, um jovem indígena de 18 anos foi assassinado com ao menos cinco tiros em outra retomada dos Guarani Kaiowá.
Para as lideranças indígenas Sônia Guajajara e Eloy Terena, a ação dos fazendeiros se trata de “agrobandidatismo”. Segundo denúncia da Aty Guasu, principal entidade representativa dos Guarani Kaiowá, policiais militares e pistoleiros são contratados por fazendeiros para expulsar os indígenas do território.
O cenário é crítico. Em todo o mandato, Jair Bolsonaro não demarcou nenhuma Terra Indígena sequer. O atual presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Marcelo Xavier, não visitou territórios indígenas desde que assumiu o cargo, em 2019. Em 10 anos, a taxa de mortalidade dos povos indígenas aumentou 21%, segundo o Atlas da Violência de 2021, e a violência em conflitos por terras cresceu, principalmente no Norte e Centro-Oeste do país.
Ao mesmo tempo, florescem mobilizações por retomadas e demarcações de territórios indígenas por todo o país. O retorno à terra ancestral não recupera só a terra de ocupação tradicional dos indígenas, mas a possibilidade de vida plena. Retornar é o início de um processo que visa aumentar a segurança territorial e alimentar dos indígenas, e assegurar a existência de sua cultura e identidade. Além disso, esse movimento busca chamar a atenção do governo para os conflitos e a necessidade de prosseguir com o processo de demarcação da Terra Indígena.
Extra
Em uma decisão histórica, a Justiça Federal de Ponta Porã (MS) negou o despejo dos Guarani Kaiowá do território Guapo’y. De acordo com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o juiz afirmou que, por ora, “não se vislumbra a existência de elementos que descaracterizem o movimento de disputa por terras tradicionalmente ocupadas por comunidades indígenas diante da completa ineficiência estatal em resolver a questão”.
A Justiça acolheu as discussões das comunidades indígenas e reconheceu a necessidade de proteção e atenção adequadas às suas reivindicações.
Demarcação Já!
Com o acirramento dos ataques aos Povos Indígenas e com a falta de perspectivas de novas demarcações, os retornos a territórios tradicionais também avançam em outras partes do país. E outros casos, além de Amambaí, também ganharam destaque neste ano.
Ainda em junho, um grupo de 180 indígenas Pataxó retomou a Fazenda Santa Bárbara, que fica na Terra Indígena Comexatibá, no sul da Bahia. A TI começou a ser demarcada em 2005, já tendo sido identificada pela Funai, mas o processo está paralisado desde 2018. Segundo as lideranças indígenas, a área ocupada pela fazenda está integralmente inserida no perímetro da Terra Indígena. Eles denunciam, ainda, que a fazenda faz uso intensivo de agrotóxicos e afetam diretamente as ocupações indígenas e qualidade das águas.
Três dias depois da retomada no território Comexatibá, outro grupo Pataxó, formado por cerca de 100 indígenas, retomou uma área localizada dentro da TI Barra Velha do Monte Pascoal, que aguarda a finalização do processo de demarcação desde 2008. No entanto, supostos fazendeiros e aliados os expulsaram do local com uso de armas de fogo. Um comboio de 50 veículos formado por latifundiários do setor pecuário, pistoleiros e policiais avançou contra a aldeia.
Isso vale um mapa
Grande parte dos processos de retomada tem acontecido em Terras Indígenas que ainda não completaram o processo de demarcação.
Atualmente, 223 territórios indígenas aguardam a conclusão do processo demarcatório. O povo Guató, da Terra Indígena Baía dos Guató, foi o último a ter sua terra demarcada no Brasil, em 2018.
O estado do Mato Grosso do Sul é um dos em que há mais registros de violações de direitos indígenas.
Em meio aos casos de violência contra Povos Indígenas, 26 Terras Indígenas do estado aguardam a finalização do processo de demarcação.
A Terra Indígena Jeripancó, no Alagoas, aguarda há quase 30 anos a finalização dos estudos de reconhecimento da área.
Socioambiental se escreve junto
A retomada indígena acontece em várias frentes de atuação. Uma delas é o campo da reafirmação das identidades, da comunicação, dos saberes e culturas ancestrais. A retomada acontece no campo, mas também no meio urbano, na literatura, nos museus, nas músicas, nas produções audiovisuais, nos livros de história…
Acaba de ser inaugurado o Museu das Culturas Indígenas, em São Paulo. O novo museu apresenta uma forma inovadora de gestão e governança, tendo como premissa a participação e o protagonismo dos diversos povos e comunidades indígenas por meio do Conselho Indígena Aty Mirim.
A curadoria dos artistas e obras é feita por Tamikuã Txihi, Denilson Baniwa e Sandra Benites, que escolheram, como exposições temporárias inaugurais, “Invasão Colonial Yvy Opata - A terra vai acabar”, de Xadalu Tupã Jekupé e “Ygapó: Terra Firme”, de Denilson Baniwa, que representam a arte indígena contemporânea e que provocam o visitante a repensar a imagem que se têm sobre os povos originários.
O museu fica localizado ao lado do Parque da Água Branca, na zona oeste de São Paulo. A entrada é gratuita até o final de julho.