Evento teve participação das ministras Marina Silva, Sonia Guajajara, da deputada federal Célia Xakriabá e de diversas personalidades da cultura brasileira
Na noite desta segunda-feira (16/6), artistas e influenciadores se reuniram no Rio de Janeiro em defesa do meio ambiente e dos direitos dos povos indígenas. Com a presença das ministras Marina Silva (Meio Ambiente e Mudança do Clima) e Sonia Guajajara (Povos Indígenas), além da deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG), o encontro marcou uma mobilização inédita da classe artística.

A abertura e o encerramento do evento ficaram por conta da cantora e ativista indígena Djuena Tikuna, que emocionou o público com canções em sua língua ancestral, evocando a força espiritual e a resistência dos povos indígenas. Estiveram presentes nomes como Klebber Toledo, Camila Queiroz, Letícia Spiller, Marcos Palmeira, Isabel Fillardis, Maria Gadú, Paulo Betti, Malu Mader, Laila Zaid, Alexia Dechamps, Daniel Rangel, Milton Cunha, Emiliano D’Ávila, Zahy Tentehar, entre outros artistas que reforçaram a urgência de se posicionar diante dos retrocessos socioambientais em curso no Congresso Nacional.
O ator Marcos Palmeira chamou atenção para as conquistas recentes e a necessidade de seguir mobilizado: “A gente fica com a sensação de que não deu em nada, mas já deu em muita coisa. Temos uma deputada indígena, uma ministra indígena, temos Marina Silva como ministra. Isso é evolução. Quando Mário Juruna tentou lá atrás, com aquele gravadorzinho, registrar tudo porque achava que não entendia o que o branco dizia... não era que ele não entendia — é que o branco mentia. Agora ele pode estar vendo isso aqui e se sentindo representado. É sinal de que a luta está sendo vencida.”

A mobilização tem como base o manifesto "O Brasil Merece Respeito", assinado por diversas personalidades presentes no evento e também por artistas que não puderam comparecer, como Bruno Gagliasso, Dira Paes, Glória Pires e a cantora Anitta, que não esteve presente por motivos de saúde.
O manifesto, construído em parceria com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga) e a Mídia Indígena, afirma que o Brasil precisa fazer uma escolha entre a destruição e a vida. Denuncia a ofensiva legislativa que ameaça os direitos dos povos originários, o clima e as florestas brasileiras, e lembra: “respeito não é favor, é dever”.
Entre as ameaças mencionadas, estão o chamado "PL da Devastação" (Projeto de Lei 2.159/2021), aprovado recentemente no Senado e que pode ser votado a qualquer momento na Câmara. A proposta desmonta o atual sistema de licenciamento ambiental e pode abrir caminho para mais tragédias como as de Mariana e Brumadinho (MG).
A proposta também ameaça as Terras Indígenas (TIs) ao considerar, para efeito do licenciamento, apenas as áreas cuja regularização estiver concluída — todas as outras estariam vulneráveis a atividades econômicas e obras de alto impacto ambiental, invasões, desmatamento. O PL também restringe a participação de órgãos de proteção dos povos indígenas na concessão das licenças.
Durante o ato, a ministra Marina Silva falou sobre os retrocessos socioambientais em curso e manifestou preocupação com o avanço do PL do Licenciamento Ambiental na Câmara dos Deputados. Ela ressaltou a importância da mobilização social para barrar a votação do projeto e destacou o papel transformador da arte nesse processo. “Nós estamos aqui em legítima defesa da vida e dos modos de vida que ajudam a proteger e a sustentar a vida nesse planeta. Que a arte possa inundar os litorais da política e do bom senso, para que não permitamos a destruição da coluna vertebral da proteção ambiental no Brasil.”

De acordo com uma nota técnica do Instituto Socioambiental (ISA), o projeto “apaga” da legislação, para efeitos de licenciamento, 259 Terras Indígenas — ou quase um terço de todas as TIs existentes — e mais de 1,5 mil territórios quilombolas (cerca de 80% dessas áreas com processos de regularização já iniciado) completamente vulneráveis à ação de empreendimentos que, até então, precisavam respeitar regras ambientais mínimas.
Segundo a nota, considerando um conjunto de 75 obras previstas no PAC 2023 para a Amazônia Legal, 277 áreas protegidas seriam impactadas sob as regras atuais. Com o PL em vigor, esse número despenca para apenas 102, desprotegendo cerca de 18 milhões de hectares de floresta — o equivalente ao território do Paraná — e abrindo espaço para um ciclo de destruição irreversível.
Evento
O evento com os artistas acontece em uma semana decisiva, quando o Congresso pode colocar o PL da Devastação em votação na Câmara dos Deputados. A proposta tem sido amplamente criticada por ambientalistas, especialistas, juristas, Ministério Público e organizações da sociedade civil por fragilizar os mecanismos de proteção ambiental em nome de interesses econômicos e políticos imediatos.
Entre outros projetos, o grupo também se posiciona contra a PEC 48/2023, que propõe transferir do governo federal para estados e municípios a responsabilidade pela demarcação de Terras Indígenas — uma medida que enfraquece os direitos dos povos originários garantidos pela Constituição. Além disso, critica o PDL 717/2024, que impõe barreiras burocráticas ao processo de demarcação e busca legitimar a posse de não indígenas sobre territórios tradicionalmente ocupados.
A reunião acontece depois de Marina Silva ter sido ofendida, no dia 27/5, na Comissão de Infraestrutura do Senado pelos senadores Marcos Rogério (PL-RO) e Plínio Valério (PSDB-AM). Rogério disse que ela deveria “se colocar no seu lugar” e Valério disse que não tinha respeito pela figura da ministra. A chefe da pasta do Meio Ambiente falava sobre a questão do licenciamento ambiental de obras na Amazônia, a exploração de petróleo na Foz do Rio Amazonas e a criação de Unidades de Conservação na região, entre outros.
Manifesto “O Brasil merece respeito”
O Brasil que queremos exige coragem.
E começa com respeito.
Respeito aos que se colocam entre a devastação e a vida.
Respeito aos povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, camponeses.
Respeito à constituição. Respeito às florestas.
Respeito não é favor. É dever.
É o que o Congresso nega quando ataca o licenciamento ambiental, uma proteção mínima que nos separa de tragédias como as de Mariana, Brumadinho, da Braskem.
Respeito é o que o Congresso pisa quando ignora o papel vital das Terras Indígenas no equilíbrio do clima, na garantia da água que abastece cidades, plantações e o próprio agronegócio.
Falam em progresso, mas querem legalizar o retrocesso.
Prometem modernização, mas entregam destruição.
Querem apagar direitos para abrir caminho ao lucro imediato, ainda que isso custe florestas, culturas milenares e o nosso futuro.
Querem um Brasil onde a mineração avança sobre territórios indígenas.
Onde as florestas são devastadas.
Onde se legisla com racismo, ódio e desinformação.
Mas nós dizemos: basta.
Porque cada direito violado é uma rachadura na democracia.
Em 2025, o Brasil será sede da COP 30, a convenção internacional sobre mudanças climáticas.
Como vamos liderar o mundo nessa luta se não respeitamos nosso meio ambiente e os povos indígenas?
Como falar de futuro se o presente é de queimadas, enchentes e tragédias anunciadas?
O Brasil precisa escolher.
Nós escolhemos estar do lado da vida.
Pelo respeito a quem defende a terra e a água.
Pela demarcação das Terras Indígenas.
Pela proteção das florestas.
Pelo futuro das nossas crianças.
Por um Brasil Indígena, Terra Demarcada.
Não ao PL da Devastação.
#OBrasilMereceRespeito