A abertura da exposição ‘Retratos de Resistência Quilombola’ transforma a arte em território, celebra identidades e afirma a beleza da luta quilombola em Brasília
No dia 27 de maio, não aconteceu apenas a abertura de uma exposição de fotos. Foi um encontro único entre memória, resistência e beleza. Estar na inauguração de “Ancestralizando o Futuro – Retratos de Resistência Quilombola” foi presenciar o passado e o futuro da luta quilombola se encontrando no presente, de forma concreta e comovente.
A mostra, instalada no HUB Peregum, em Brasília, com apoio do Instituto Socioambiental (ISA), celebra os 29 anos da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) e o segundo Encontro da Coalizão Internacional de Povos e Comunidades Afrodescendentes da América Latina e Caribe (Citafro). Mas, mais do que celebrar datas, ela celebra presenças.
As fotografias que compõem a exposição foram feitas em maio de 2024, durante o Aquilombar — maior encontro nacional de quilombolas do Brasil. Lideranças de diversos territórios estavam reunidas, e o registro daquele momento tornou-se necessário e urgente. Mas não bastava registrar: era preciso fazer com cuidado, escuta e respeito.
A construção das imagens se transformou em ritual por meio do trabalho sensível do Coletivo Retratação — formado por profissionais negros, indígenas, LGBTQIAPN+ e periféricos — que encontrou, nesse ensaio, não apenas uma missão, mas um espelho. Como disse o fotógrafo e coordenador do coletivo, Webert da Cruz, o processo foi um encontro de territórios e de gerações, de pontes entre a periferia e os quilombos. Foi sobre transformar a forma de ver, sentir e narrar corpos negros.
Ester Cruz, também fotógrafa do coletivo, falou sobre o poder de retratar pessoas que se parecem com ela. De enxergar beleza, luz e dignidade em cada rosto, para além da dor. De se reconhecer e afirmar: "meu trabalho pode transformar mundos".

Cada fala durante a cerimônia de abertura foi um gesto de reexistência. Ramona Jucá, mulher indígena do povo Potiguara-Ibirapi e maquiadora das mulheres fotografadas, emocionou ao falar sobre a responsabilidade de maquiar rostos negros sem apagá-los, respeitando seus traços e cores. “Dentro da maquiagem também existe racismo”, ela lembrou. E o que fez naquele dia foi resistência em forma de afeto.
A emoção tomou conta quando Célia Pinto, diretora administrativa da Negra Anastácia e liderança do quilombo Aere, de Cururupu (MA), compartilhou sua experiência. Com a voz embargada e lágrimas nos olhos, revelou o desafio de se ver bonita, de se permitir ser fotografada, de se olhar no espelho e se reconhecer. A fotografia, ali, não era vaidade. Era cura. Era identidade reencontrada.
Visibilidade, memória e território
A exposição segue aberta até 31 de julho, mas o impacto do que foi vivido naquele 27 de maio vai muito além das paredes da garagem onde as fotos estão expostas. Porque não é só sobre imagens: é sobre visibilidade, memória e território.
E que território é esse? O HUB Peregum está localizado no Lago Sul — bairro nobre de Brasília, onde a presença preta raramente é vista como pertencente. E ali estavam elas e eles: lideranças quilombolas, fotógrafos, artistas pretos e mulheres ocupando e colorindo um dos espaços mais elitizados da capital federal com beleza e ancestralidade.
Inaugurar a mostra naquele lugar foi, também, um gesto contra-colonial. Um ato político. Um movimento de deslocamento simbólico que diz: nós estamos aqui. E não estamos apenas sobrevivendo — estamos brilhando.
Como disse Nêgo Bispo, “eu vou falar de nós ganhando, porque pra falar de nós perdendo eles já falam”. E naquele dia, todos nós ganhamos. Com emoção, memória, potência. Com a certeza de que o futuro, quando ancestralizado, floresce em resistência.
Serviço
Exposição: Ancestralizando o Futuro – Retratos de Resistência Quilombola
Local: HUB Peregum – Brasília (DF)
Período: até 31 de julho de 2025
Entrada gratuita
Horário de visitação: Segunda a sexta, das 9h às 18h.
Agendamento de visitas em grupo: 61 9 9174-9182 ou pelo e-mail hub@peregum.org.br
Realização: Instituto Socioambiental (ISA), Coordenação Nacional das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), Coletivo Retratação e A Pilastra.
Contato: (61) 9 98308308
