Manchetes Socioambientais
As notícias mais relevantes para você formar sua opinião sobre a pauta socioambiental
O trabalho do ISA no monitoramento de "pressões e ameaças" parte do entendimento de que "pressão" é um processo de degradação ambiental (desmatamento, roubo de madeireira, garimpos, incêndios florestais etc) que ocorre no interior de uma área legalmente protegida, como Terra Indígena, Território Quilombola e Unidade de Conservação, como Parques e Florestas Nacionais, levando a perdas de ativos e serviços socioambientais. Ou seja, "pressão" é um processo que pode levar à desestabilização legal e ambiental de determinada área protegida. Já "ameaça", por sua vez, é a existência de risco iminente de ocorrer alguma degradação ambiental no interior de uma área protegida.
Tomadas cumulativamente, as pressões e ameaças podem gerar impactos socioambientais negativos de magnitude e alcance suficientes para desencadear o colapso no funcionamento dos ecossistemas e dos modos de vida das populações locais - e impactos negativos nas cidades. Os povos indígenas e populações tradicionais, como comunidades quilombolas e ribeirinhas, são diretamente atingidos pelas pressões e ameaças por terem seus territórios invadidos, suas florestas desmatadas e seus rios desviados e contaminados.
Aqui no ISA, o trabalho de monitoramento das pressões e ameaças é feito por pesquisadores especializados em antropologia, direito socioambiental, modelagem de uso da terra e avaliação de políticas públicas. A equipe diretamente responsável pelo monitoramento de áreas protegidas do ISA atua na conexão entre pesquisadores, formuladores de políticas públicas e tomadores de decisão. As áreas de atuação desse time abrangem o desenvolvimento de pesquisas científicas e aplicações em sistemas de informação geográfica e ferramentas de monitoramento da situação jurídica, demográfica e projetos governamentais que impactam as áreas protegidas.
O monitoramento de áreas protegidas do ISA possui conhecimento acumulado no monitoramento de pressões e ameaças desde a década de 1980 como um dos primeiros programas da sociedade civil no Brasil a construir uma plataforma organizada de sistemas de informação socioambiental, antes mesmo que setores governamentais. Esse trabalho iniciou-se no antigo Centro Ecumênico de Documentação e Informação (Cedi), em 1983, com o monitoramento de Terras Indígenas no Brasil. Em 1992, ainda no Cedi, foi iniciado o monitoramento das Unidades de Conservação na Amazônia e outras áreas públicas. Seu Sistema de Informação de Áreas Protegidas (SisArp) é um sistema Web com 15 módulos de dados por temas específicos, incluindo o módulo de pressões e ameaças. O SisArp alimenta sites institucionais que disponibilizam dados, mapas, imagens, vídeos, notícias, publicações e análises temáticas. Alguns sites estão listados abaixo, confira!
|
Imagem
|
Em formato de enciclopédia, é considerado a principal referência sobre o tema no país e no mundo |
|
Imagem
|
A mais completa fonte de informações sobre o tema no país |
|
Imagem
|
Versão especial da Enciclopédia PIB para a educação infantil; |
|
Imagem
|
o primeiro produto web de referência neste tema, lançado em junho de 2007 |
|
Imagem
|
painel de indicadores de consolidação territorial para as Terras Indígenas |
|
Imagem
|
painel de informações sobre o estado das florestas e alertas de pressões e ameaças que impactam as áreas protegidas. |
Carta enviada ao Ministério dos Portos e Aeroportos alerta que modelo atual provoca danos socioambientais nas bacias do Madeira, Tapajós e Tocantins
Em documento enviado ao Ministério dos Portos e Aeroportos (MPOR), organizações da sociedade civil alertaram que a expansão das hidrovias voltadas à exportação de soja e minérios, está contribuindo para violações de direitos e danos ambientais nos rios Madeira, Tapajós e Tocantins. O texto cita o Decreto nº 12.600/2025, que incluiu essas três bacias no Programa Nacional de Desestatização e abriu caminho para a entrega das hidrovias à iniciativa privada. Segundo as entidades, a medida repete erros históricos de um planejamento centralizado e pouco transparente, que prioriza grandes fluxos de exportação e ignora a sustentabilidade dos ecossistemas e a segurança de quem depende diretamente dos rios para viver.
A carta foi assinada pelo Instituto Madeira Vivo (IMV), Movimento Tapajós Vivo (MTV), Instituto Zé Cláudio e Maria (IZM) e Grupo de Trabalho Infraestrutura e Justiça Socioambiental (GT Infra). O documento foi protocolado na quarta-feira (22/10).
Leia aqui na íntegra.
As organizações afirmam que o atual modelo de hidrovias, voltado ao transporte de commodities do agronegócio e da mineração, tem provocado impactos graves sobre povos indígenas, comunidades tradicionais e seus territórios: envolve intervenções severas nos rios, como escavações e explosões, e o trânsito de comboios de grandes barcaças, que afetam a pesca, a navegação comunitária e a agricultura. A esse quadro se somam a construção de portos privados e a ocupação desordenada do entorno, além da expansão de monocultivos e especulação fundiária, como já ocorre em Santarém (PA) e no baixo Madeira (RO).
As entidades também apontam falhas recorrentes no planejamento e na implantação das hidrovias, com estudos técnicos precários, ausência de consulta prévia e falta de licenciamento específico. Esses impactos se agravam diante da expansão de portos e de projetos como a Ferrogrão, que impacta áreas protegidas e ao mesmo tempo aumenta o tráfego de barcaças pelo rio Tapajós, e da explosão do Pedral do Lourenção, projeto questionado na Justiça pela falta de diálogo com comunidades afetadas em uma intervenção planejada para aumentar o transporte de cargas pelo rio Tocantins.
“O que nos deixa indignados com o governo é que não promovem uma avaliação dos impactos negativos já existentes na vida de povos e comunidades e já vem com novos projetos sem qualquer processo de consulta, violando os direitos socioambientais e nos excluindo ao invés de nos incluir, sem nos envolver nos benefícios dos projetos, sempre atendendo aos interesses do grande capital”, disse Iremar Antonio Ferreira, do Instituto Madeira Vivo (IMV).
“O Tapajós é um rio já bastante fragilizado, tanto pela ação de inúmeros garimpos como pelo aumento significativo de portos graneleiros que assolam suas margens, deixando milhares de pescadores sem seus territórios pesqueiros", afirmou Carlos Alves, do Movimento Tapajós Vivo (MTV). “ Queremos os rios amazônicos livres, a serviço de seus povos e suas culturas, sem hidrovia, sem barragens e sem Ferrogrão”.
As organizações pedem que o MPOR e a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) suspendam o avanço da concessão de projetos de hidrovias nos rios Madeira, Tapajós e Tocantins até a conclusão do Plano Nacional de Logística (PNL 2050) e do Plano Setorial Hidroviário, previsto para 2026. Defendem que qualquer iniciativa no setor deve ser precedida por processos de consulta livre, prévia e informada junto aos povos e comunidades, conforme determina a Convenção 169 da OIT, e acompanhada de um diálogo estruturado entre o governo e a sociedade civil, envolvendo as instâncias responsáveis pelo planejamento, concessão, licenciamento ambiental e proteção de direitos territoriais.
Notícias e reportagens relacionadas
Cientistas da RAISG apontam, rumo à COP30, que a proteção das florestas mais preservadas da Amazônia é decisiva para conter o aquecimento global
Os povos indígenas têm se mostrado os melhores guardiões da Amazônia. Graças aos seus conhecimentos ancestrais e à gestão sustentável, as Terras Indígenas e Áreas Naturais Protegidas abrigam as florestas mais conservadas e com menores taxas de desmatamento. Além disso, concentram 61% do carbono florestal capturado em 2023 em toda a Amazônia, ajudando a reduzir o excesso de CO₂ na atmosfera e a mitigar o aquecimento global, segundo a Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada (RAISG), da qual o Instituto Socioambiental (ISA) e outras sete organizações fazem parte.
Se nos próximos cinco anos os governos amazônicos aplicarem pouco ou nenhum controle sobre o desmatamento, sobretudo em Áreas Protegidas, a Amazônia deixará de capturar 2,94 bilhões de toneladas de carbono em 2030.
É o que revela o levantamento inédito do projeto Ciência e Saber Indígena pela Amazônia, da RAISG e do Woodwell Climate Research Center, que projeta três cenários futuros para as reservas de carbono: “Cenário 1: ausência de Terras Indígenas e Áreas Naturais Protegidas” (*) – descrito acima –, “Cenário 2: regulação permissiva” e “Cenário 3: inação”.
Para isso, os cientistas utilizaram a ferramenta de simulação Dinâmica Ego e dados atuais de monitoramento por satélite, com o objetivo de orientar melhores políticas públicas, às vésperas da COP30, em novembro, no Brasil.
No Cenário 1: a Amazônia passaria de capturar mais de 85 bilhões de toneladas de carbono em 2023, para capturar apenas 82,257 bilhões em 2030, representando uma redução de 3,5%. Isso ocorreria caso os governos aplicassem pouco ou nenhum controle sobre o desmatamento, permitindo o avanço descontrolado de atividades como agricultura, pecuária, infraestrutura e mineração, que destroem e degradam as florestas, principalmente em TIs e ANPs.
"Cada tonelada de carbono que conseguimos manter nas florestas amazônicas é um investimento no futuro do planeta. Fortalecer a proteção das Terras Indígenas e das Áreas Protegidas significa conservar as maiores reservas de carbono florestal do mundo, um pilar indispensável para cumprir os compromissos climáticos globais”, lembra Mireya Bravo Frey, coordenadora regional do Projeto Ciência e Saber Indígena pela Amazônia.
Mas o que é a captura de carbono florestal e qual sua importância no contexto atual? Durante a fotossíntese, árvores e vegetação capturam carbono, um elemento do dióxido de carbono (CO₂) presente na atmosfera, e o retêm em raízes, troncos e folhas. Dessa forma, ajudam a controlar este gás de efeito estufa, produzido em excesso principalmente pelo uso de combustíveis fósseis e pelo desmatamento causado por atividades econômicas, como a pecuária.
Por isso, sua função é vital em um contexto no qual, apesar do Acordo de Paris – que estabelece manter o aumento da temperatura abaixo de 2 °C – já ultrapassamos 1,5 °C e os efeitos do aquecimento global se agravam.
“Ter menos florestas é ter menos reservas de carbono na Amazônia, o que significa mais emissões poluentes para o mundo. Isso gera temperaturas mais altas no planeta e eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes, como secas, inundações, florestas mais suscetíveis a incêndios e chuvas mais imprevisíveis. Um cenário que compromete não apenas a biodiversidade e a cultura amazônica, mas também a segurança hídrica e alimentar do planeta”, alerta Jose Victorio, especialista em Sistemas de Informação Geográfica e Sensoriamento Remoto da RAISG.
Políticas fracas e sem mudanças
O Cenário 2: regulação permissiva, ocorreria se os países amazônicos aplicassem políticas ambientais e marcos legais mais fracos nos próximos cinco anos. Isso geraria picos máximos na mudança do uso do solo, transformando grandes áreas de florestas amazônicas em terras agropecuárias, urbanas e mineradoras.
Nesse caso, a Amazônia deixaria de capturar 2,294 bilhões de toneladas de carbono em 2030, em relação a 2023, devido ao avanço do desmatamento e da degradação florestal. Ou seja, as florestas passariam, de capturar mais de 85 bilhões de toneladas em 2023, para armazenar apenas 82,904 bilhões em 2030, representando uma redução de 2,7% nessas importantes reservas.
Por fim, no Cenário 3: inação, em que os governos não promovem mudanças significativas nas políticas ambientais e as atuais taxas de desmatamento se mantêm, a Amazônia deixaria de capturar 1,113 bilhões de toneladas de carbono até 2030, em relação a 2023 — ou seja, 2% a menos.
O panorama de 2023
Segundo a RAISG, nas últimas décadas a Amazônia já teve suas funções de combate às mudanças climáticas enfraquecidas. Em 2023, suas florestas deixaram de capturar 5,7 bilhões de toneladas de carbono, em comparação ao ano 2000, o que representou uma redução de 6,3%.
De acordo com dados do MapBiomas Amazônia – Uso e Cobertura, da RAISG, entre 1985 e 2023, mais de 88 milhões de hectares de florestas que regulavam o clima global foram transformadas em terras agropecuárias, urbanas e mineradoras.
Além disso, essas atividades fragmentaram as florestas e causaram um dano silencioso às árvores remanescentes, afetando sua mortalidade, capacidade de regeneração e processos de fotossíntese, fundamentais para a captura de carbono.
Como evitar os piores cenários?
Para evitar os piores cenários futuros, a RAISG faz um chamado aos tomadores de decisão. Antes de 2030, é urgente implementar estratégias que eliminem o desmatamento, a degradação e os incêndios florestais, dentro e fora das Terras Indígenas e Áreas Naturais Protegidas. Além disso, é essencial fortalecer o papel dos povos indígenas como guardiões das florestas, garantindo seus direitos humanos e territoriais.
“Estamos diante de uma contagem regressiva ambiental: se não forem fortalecidas as políticas de proteção e não for reconhecido o papel central dos povos indígenas e das comunidades locais, a Amazônia deixará de ser um aliado climático e se tornará uma fonte de crise. Não se trata apenas de árvores; trata-se da vida no planeta”, afirma Renzo Piana, diretor executivo do Instituto do Bem Comum, membro da RAISG.
Nesse sentido, recomenda-se priorizar políticas que articulem ciência e saberes dos povos amazônicos, para desenvolver modelos econômicos e tecnologias baseados em baixas emissões de CO₂ e usos sustentáveis de florestas e sistemas hídricos. Também é necessário conter o desmatamento, os incêndios e o avanço de atividades ilegais e crimes ambientais, que ameaçam a conservação dos ecossistemas e o bem-estar dos habitantes da Amazônia.
Do mesmo modo, recomenda-se preencher lacunas de proteção criando corredores entre Terras Indígenas, territórios coletivos comunitários, Áreas Naturais Protegidas e outras Unidades de Conservação, dos Andes à Amazônia, por meio de articulação, titulação de terras e fortalecimento da gestão dos povos indígenas.
"A Amazônia ainda pode ser nosso melhor aliado climático se agirmos com urgência. Reconhecer o papel dos povos indígenas e fortalecer a proteção de seus territórios é fundamental para garantir água, alimentos e estabilidade climática. Não se trata apenas de conservar uma floresta: trata-se de assegurar a vida e o futuro de todos", conclui Mireya Bravo Frey.
(*) “Ausência de Terras Indígenas e Áreas Naturais Protegidas” refere-se a unidades territoriais com foco em sustentabilidade socioambiental ou conservação.
Notícias e reportagens relacionadas
Organizado pelo ISA e pela RAC, encontro vai reunir lideranças indígenas e quilombolas para falar sobre experiências de adaptação já colocadas em prática por povos e comunidades tradicionais da região
O Instituto Socioambiental e a Rede Amazônidas pelo Clima (RAC), com o apoio do Canto Coworking, realizam no próximo dia 24/10, em Belém/PA, o encontro “O que a COP30 tem a ver com a nossa vida? Diálogos para a Justiça Climática”.
Com o objetivo de apoiar reflexões sobre as negociações e agendas da COP30, focadas na adaptação climática e no papel dos atores locais na construção da justiça social, o evento também pretende debater como as decisões tomadas nas grandes conferências do clima se conectam com as políticas nacionais e, principalmente, com as ações regionais. Além disso, também pretende conectar pessoas, instituições e saberes em torno da agenda climática; discutir temas-chave das negociações internacionais com o olhar da Amazônia; e valorizar experiências realizadas na Amazônia que mostram que a adaptação já começou.
“A COP30 vai acontecer em Belém, e isso faz da Amazônia um ponto de encontro entre o mundo e o futuro. Mas o que acontece no espaço oficial da COP e o que as negociações internacionais têm a ver com a nossa vida cotidiana — com o calor das cidades, as chuvas que alagam, a água que falta ou o alimento que encarece?”, provocam os organizadores.
O encontro é aberto ao público e reunirá ativistas da pauta climática e lideranças de organizações de povos indígenas e comunidades tradicionais do Pará. A programação terá como debatedores a diretora da Coordenação Estadual das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombo do Pará (Malungu), Érica Monteiro; o coordenador executivo da Federação dos Povos Indígenas do Pará (Fepipa), Ronaldo Amanayé; a analista de políticas climáticas do ISA, Juliana Maia; e o diretor geral do Laboratório da Cidade e representante do Comitê COP30, Lucas Nassar, sendo mediado pela coordenadora da RAC, Ana Carolina Cazetta..
Para participar, basta retirar o ingresso gratuito no link: https://www.sympla.com.br/evento/papo-rac-o-que-a-cop30-tem-a-ver-com-a-nossa-vida/3158625.
Serviço:
O que a COP30 tem a ver com a nossa vida? Diálogos para a Justiça Climática
Data: 24/10, às 18h30
Local: Canto Coworking e Café (Edifício Manoel Pinto da Silva, Avenida Serzedelo Corrêa, 15, Nazaré, Belém/PA)
Notícias e reportagens relacionadas
Com regularização fundiária pendente há quase uma década, o território do povo Arara, de recente contato, é alvo de invasões e desmatamento e vive uma emergência em saúde
Em nota técnica divulgada hoje (17/10), organizações indígenas e indigenistas alertam para a situação precária dos indígenas Arara que vivem na Terra Indígena Cachoeira Seca, na região do médio Xingu, no Pará. Entre 2023 e 2024, o desmatamento na TI Cachoeira Seca saltou de 795 hectares (ha) para 1.149 ha, um crescimento de 45%. Este aumento contrasta drasticamente com a tendência regional: a bacia do Xingu reduziu o desmatamento em 46%, e a Amazônia Legal em 30,6%. Segundo dados do sistema de monitoramento Sirad X, do Instituto Socioambiental (Isa), a Cachoeira Seca figura entre as poucas TIs do país onde a destruição avançou, ocupando o 4º lugar no ranking geral da Amazônia.
O documento apresenta uma análise sobre a urgência de avançar na regularização fundiária do território, destacando o crescimento do desmatamento na área, que contrasta com a redução observada em outras TIs da bacia do Xingu. Enquanto a Amazônia Legal e a bacia do Xingu celebram quedas históricas no desmatamento, os índices no território Arara seguiram uma tendência inversa, de aumento da devastação. O documento expõe a presença de invasores e o desmatamento como causas de uma crise que combina insegurança territorial e uma emergência de saúde psicossocial entre os indígenas.
Regularização atrasada impulsiona invasões
Esforços governamentais recentes resultaram na desintrusão de outras TIs importantes na região, como a Apyterewa, Trincheira-Bacajá e Ituna Itatá, ações que reduziram drasticamente o desmatamento nessas áreas. Contudo, o mesmo empenho ainda não ocorreu na Cachoeira Seca. O território não está incluído na lista de desintrusões da ADPF 709 (Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental) e não há previsão do Ministério da Justiça, do Ministério dos Povos Indígenas ou da Funai para que a regularização seja concluída. A demora na regularização estimula novos invasores e a insegurança territorial agrava o sofrimento dos Arara.
A situação se agravou com a construção da hidrelétrica de Belo Monte, que deveria ter sido precedida de ações de regularização fundiária e proteção territorial que até hoje, 13 anos depois da licença de instalação, não foram concluídas. As condicionantes descumpridas são justamente aquelas que foram desenhadas para impedir as invasões e o desmatamento nas terras indígenas afetadas pela obra.
O legado do contato forçado
A vulnerabilidade da TI Cachoeira Seca é uma dívida histórica. O povo Arara (que se autodenomina Ugoro’gmó) teve contato mais constante com a sociedade envolvente em 1987, após uma dramática resistência à construção da rodovia Transamazônica (BR-230), que cortou seu território tradicional.
Décadas após a BR-230, uma nova obra federal, a hidrelétrica de Belo Monte, voltou a desestabilizar a segurança territorial precária. A conclusão da regularização fundiária de todas as TIs impactadas era uma condicionante para o licenciamento da usina, mas na Cachoeira Seca, o processo legal para a retirada dos ocupantes sequer foi iniciado. A omissão do Estado permitiu que novos invasores continuassem a entrar no território.
O desmatamento acumulado na TI ultrapassou 68.777 hectares até julho de 2025, representando 9,35% da área total. A invasão se dá pela abertura de ramais ilegais para roubo de madeira. Desde 2018, o monitoramento da Rede Xingu+ já mapeou 586 quilômetros de ramais, com a principal aldeia (Iriri) agora a menos de 30 km da área invadida. A alta ocorrência de fogo também é uma ameaça: a área queimada quase dobrou em 2023 (11.625 ha) em comparação com 2022, reflexo da ocupação para criação de gado e consolidação de áreas desmatadas.
Emergência em saúde mental
A lentidão em resolver as questões fundiárias e os profundos impactos de Belo Monte têm provocado sofrimentos intensos e agudos no povo Arara. Profissionais classificam a situação como uma verdadeira emergência em saúde mental.
Uma carta da Rede Bem Viver da Cachoeira Seca relatou adoecimentos e sofrimento psíquico que alimentam um ciclo de mortes em circunstâncias dolorosas. Em 2023 e 2025, foram registrados falecimentos de lideranças e jovens em episódios associados ao consumo de álcool. Apesar da gravidade, a concessionária de Belo Monte tem negado apoio à saúde, repetindo a frase: “não vemos nexo de causalidade” entre as carências dos Arara e o empreendimento.
Ameaças futuras e recomendações urgentes
O cenário já tenso pode se agravar com a iminente pavimentação do trecho Medicilândia-Rurópolis da BR-230. Segundo os estudos de impacto, essa obra valorizará os terrenos e potencializará a ocupação ilegal, intensificando os conflitos na área, uma vez que estradas vicinais já penetram a TI Cachoeira Seca. A TI é considerada estratégica por representar o limite Noroeste do corredor ecológico de áreas protegidas do Xingu, absorvendo as pressões vindas da Transamazônica.
As organizações que assinam a nota técnica - Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Observatório dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi), Instituto Socioambiental (Isa), Conectas e Conselho Indigenista Missionário (Cimi) - fazem uma série de recomendações para fortalecer a segurança da TI Cachoeira Seca.
Entre elas, destacam-se:
• Apresentação imediata de um cronograma de finalização da desintrusão da TI Cachoeira Seca pela Funai.
• Definição de ações emergenciais pela Polícia Federal, IBAMA e Funai para impedir a extração ilegal de madeira e o avanço dos ramais.
• Que o início das obras de pavimentação da BR-230 seja condicionado à conclusão do processo de regularização fundiária da TI.
• A investigação pelo Ministério Público Federal (MPF) das atuais grilagens e invasões.
Notícias e reportagens relacionadas
Documentário foi selecionado para a categoria ligada à COP30 e mergulha nas visões de uma família indígena diante da presença do cristianismo no Xingu
O Festival do Rio, um dos mais importantes eventos do cinema brasileiro, terá em sua programação a exibição de “O Pai e o Pajé”, documentário dirigido por Iawarete Kaiabi e co-dirigido por Felipe Tomazelli e Luís Villaça. A obra foi selecionada para a mostra Première Brasil: Estado das Coisas, uma curadoria de filmes que dialogam com os temas da COP 30, e será apresentada ao público nos dias 08, 09, 10 e 11/10, com debate após a exibição no dia 09/10.
O longa aparece ao lado de títulos como “Reconhecidos”, “Com Causa”, “Itacoatiaras”, “Rua do Pescador, nº 6”, “Do outro lado do pavilhão”, “Invencíveis”, “Pau d’Arco”, “Cadernos Negros” e “Na onda da Maré”.
Em “O Pai e o Pajé”, Iawarete Kaiabi volta-se para dentro de sua própria família para entender os caminhos de aprendizado com seu tio Pajé e seu pai Pastor. Em um relato íntimo, ele reflete se possível uma coexistência entre as duas visões de mundo dentro do seu povo, com a permanência das tradições ancestrais no Território Indígena do Xingu.
Mais do que um registro pessoal, o filme expõe a ação de missionários evangélicos na região e os impactos profundos que essa presença tem causado ao tecido social e identidade das diferentes etnias que vivem no Xingu.
Para quem estiver em São Paulo, o filme vai compor a categoria Mostra Brasil, na 49ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, que acontece entre os dias 16 e 30 de outubro. A programação conta com 373 filmes, vindos de 80 países, que serão exibidos em 52 salas de cinema, espaços culturais e CEUs espalhados pela capital paulista. Adquira os ingressos aqui.
Serviço
Exibição de “O Pai e o Pajé” no Festival do Rio nos dias 08, 09, 10 e 11/10
Direção de Iawarete Kaiabi e co-dirigido por Felipe Tomazelli e Luís Villaça
Confira os locais de exibição e os ingressos no link a seguir: https://www.ingresso.com/filme/o-pai-e-o-paje/sessoes?city=rio-de-janeiro.
Notícias e reportagens relacionadas
Documento alerta para risco de contradições internas e pede que o Brasil lidere na COP 30 defendendo planos de transição energética justa em todos os países
Mais de 50 redes e organizações da sociedade civil divulgaram nesta terça-feira (23/10) a Carta Aberta “Transição Energética Justa e Popular: A presidência brasileira na COP 30 e a necessidade de liderar pelo exemplo”. O documento, enviado a ministros e autoridades brasileiras, alerta para o risco do país chegar à conferência do clima da ONU em Belém, que acontece em dois meses, sem corresponder às expectativas de liderança na transição energética, e também aponta caminhos concretos para que o Brasil exerça protagonismo e lidere pelo exemplo.
A Carta reconhece o esforço do governo em incluir a transição energética justa entre as prioridades da COP 30 e defende que o Brasil proponha que todos os países adotem planos de transição vinculados às suas NDCs (Contribuição Nacionalmente Determinada), elaborados com governança democrática, transparência e participação social efetiva em todas as etapas, evitando o velho modelo autoritário de planejamento. O texto ressalta a necessidade de metas ambiciosas para redução de emissões e a substituição do uso de combustíveis fósseis, junto com a democratização do acesso e geração de energia, e a aplicação de rigorosas salvaguardas socioambientais para novos empreendimentos do setor, com respeito ao Consentimento Livre, Prévio e Informado (CLPI). Cobra o desenvolvimento de ressalvas específicas para a exploração de minerais utilizados em estratégias de transição energética, assegurando proteção ambiental e respeito aos territórios, além da construção de mecanismos de financiamento inovadores, que estimulem alternativas sustentáveis, em vez de apostar, por exemplo, na contradição de financiar a transição com a própria expansão do petróleo.
Mas, para que esse papel de liderança seja crível, o Brasil precisa começar pelo exemplo dentro de casa, alertaram as redes e organizações. Apesar de esforços recentes, como a criação da Política Nacional de Transição Energética (PONTE), do Plano (PLANTE) e do Fórum Nacional de Transição Energética (FONTE), concebidos também como espaço de participação social, os avanços ainda não são concretos. O FONTE sequer se reuniu e o PLANTE segue sendo elaborado de forma centralizada pelo Ministério de Minas e Energia (MME), sem transparência metodológica e sem participação efetiva da sociedade.
Enquanto isso, o governo anunciou medidas contraditórias, como a exploração de petróleo na Margem Equatorial, na foz do rio Amazonas, interesse na indústria nuclear, inclusive com a hipótese de reatores flutuantes na Amazônia; a proposta de uma nova hidrelétrica de grande porte na fronteira de Rondônia com a Bolívia, repetindo problemas já documentados nas hidrelétricas de Santo Antônio, Jirau (RO) e Belo Monte (PA); além da expansão de eólicas e solares no Nordeste, sem salvaguardas socioambientais, acumulam impactos e pressionam comunidades.
As organizações concluem que o Brasil só poderá exercer liderança na COP 30 se conduzir uma transição energética justa e popular com transparência, participação social e respeito aos direitos humanos e aos territórios.
A Carta é co-assinada pelas seguintes redes da sociedade civil: GT Infraestrutura e Justiça Socioambiental, GT Clima e Energia / Observatório do Clima, Frente por uma Nova Política Energética – FNPE, Coalizão Energia Limpa, Coletivo Nordeste Potência, Coletivo Ativista, Comitê de Defesa da Vida Amazônica na bacia do Rio Madeira- COMVIDA, Comitê de Energia Renovável do Semi-Árido (CERSA), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), Articulação Antinuclear Brasileira, Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental – FMCJS, Fórum Nacional da Sociedade Civil nos Comitês de Bacias Hidrográficas – FONASC, Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais - FBOMS, Teia Carta da Terra Brasil, Rede Convergência pelo Clima – Bahia, Coalizão pelos Rios, Coletivo Ativista, Grupo de Trabalho Amazônico - GTA, Mulheres Unidas Com o Brasil – MUCB, Rede Brasileira de Justiça Ambiental - RBJA, Rede Mata Atlântica, Rede Pantanal, Rede Pampa e Rede Ambiental do Piauí
Também subscrevem a carta aberta as seguintes organizações: 350.org Brasil, Associação Alternativa Terrazul, Associação Mineira de Defesa do Ambiente – Amda, Associação Movimento Paulo Jackson - Ética, Justiça, Cidadania, ASIBAMA-RS, Associação Mulheres na Comunicação – AMC, Centro de Estudos Ambientais- RS, Centro Palmares de Estudos e Assessoria por Direitos, ClimaInfo, Conectas Direitos Humanos, Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras, ECOA - Ecologia e Ação, FASE – Solidariedade e Educação, Fundação Ecológica Cristalino – FEC, Fundação Grupo Esquel Brasil – FGEB, Greenpeace Brasil, Grupo Ambientalista da Bahia – GAMBÁ, Grupo de Estudos em Educação e Meio Ambiente – GEEMA, Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero e Água – GENÁGUA, Instituto de Energia e Meio Ambiente - IEMA, Instituto de Estudos Socioeconômicos – INESC, Instituto Floresta Viva, Instituto Madeira Vivo- IMV, Instituto Socioambiental - ISA, Instituto Zé Claudio e Maria, International Rivers, Laboratório de Pesquisa em Política Ambiental e Justiça - LAPAJ, Projeto Saúde e Alegria, SOS Chapada dos Veadeiros e Transparência Internacional - Brasil
Notícias e reportagens relacionadas
Corte vai decidir se tese ruralista pode ser aplicada a quilombo no Rio Grande do Sul
Mais uma vez, o Supremo Tribunal Federal (STF) terá que decidir se a tese do marco temporal vale ou não para a titulação dos territórios quilombolas. O caso em questão é o Agravo em Recurso Extraordinário nº 1.525.355, que trata da comunidade quilombola de Cambará, no município de Cachoeira do Sul, no Rio Grande do Sul.
Se o STF decidir a favor do marco temporal, o território da comunidade, que deveria ser regularizada em sua totalidade com 584 hectares, ficaria reduzido a pouco mais de 50 hectares. Isso significaria que as 41 famílias quilombolas teriam que viver em uma área muito pequena, insuficiente para manter seu modo de vida tradicional. É importante lembrar que a luta pela titulação dos nossos territórios não é apenas pela posse da terra, mas pela retomada das áreas historicamente ocupadas, que garantem a sobrevivência e a cultura quilombola.
O relator do caso, ministro Edson Fachin, votou contra a aplicação do marco temporal. Ele lembrou que, em 2018, o STF já rejeitou essa tese ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3239, e que o tema não deveria ser rediscutido. Em seu voto, afirmou:
“A fim de se conferir a máxima efetividade ao direito fundamental previsto no art. 68 do ADCT, o qual fora erigido a essa condição apenas na Constituição da República de 1988, não haveria falar-se em exigência do elemento objetivo-temporal, consubstanciado na presença da comunidade na área cuja titulação pretende, em 05 de outubro de 1988”.
Ou seja, para o ministro Fachin, o marco temporal cria uma limitação que não existe na Constituição, e prejudica o direito quilombola de ter seu território reconhecido.
Já o ministro André Mendonça votou de forma contrária. Ele defendeu que o marco temporal seria uma forma da Constituição trazer estabilidade e segurança jurídica. Em suas palavras, a Constituição:
“Fundamentou-se no cognominado ‘constitucionalismo fraternal’, animado pelo firme propósito de construção de uma sociedade multifacetada, mas não dividida”.
Na visão de Mendonça, as comunidades quilombolas só poderiam ter direito às terras que ocupavam fisicamente em 1988, sem a possibilidade de recuperar áreas que foram-nos tomadas de forma ilegal antes dessa data.
Se o entendimento do ministro André Mendonça prevalecer não haverá paz, mas a continuidade dos conflitos, da violência e das injustiças históricas que nós quilombolas enfrentam há séculos. A paz não pode ser confundida com silêncio ou ausência momentânea de violência. Não há paz possível sem justiça social, sem justiça racial e sem o reconhecimento pleno dos nossos direitos quilombolas.
A verdadeira solução para os conflitos fundiários só virá quando as nossas comunidades quilombolas tiverem garantido o direito de viver com dignidade em seus territórios, sem ameaças ou restrições.
Os quilombos sempre foram sinônimo de resistência. Lutamos antes mesmo do Quilombo dos Palmares, resistimos à abolição inconclusa de 1888 e continuamos lutando até hoje. Os territórios quilombolas, tantas vezes marcados pelo suor, pelas lágrimas e pelo sangue da nossa gente, são também espaços de vida, de memória, de fartura e de alegria, símbolos da força coletiva que alimenta gerações.
Por isso, o julgamento previsto para findar em 29 de agosto não é apenas sobre hectares de terra, mas sobre a vida e o futuro de milhões de quilombolas. Que o STF tenha a coragem de escrever uma página de justiça na história do Brasil, garantindo que a luta secular dos quilombos se transforme em dignidade, liberdade e paz verdadeira, aquela que só existe com justiça social.
Notícias e reportagens relacionadas
Apib e ISA alertam que medidas aprovadas atropelam a Constituição e podem aprofundar a destruição ambiental e impor crise humanitária para povos indígenas
A Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado aprovou, nos dias 13 e 20 de agosto, dois Projetos de Lei (PLs) que abrem as Terras Indígenas a atividades econômicas como mineração, garimpo, exploração de petróleo e gás, geração de energia, agricultura comercial e turismo. As medidas (o PL 6.050/2023 e o PL 1.331/2022) representam uma violação direta da Constituição Federal e dos tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil.
"Ambos os PLs são ataques aos direitos constitucionais dos povos indígenas, vez que relativizam questões como o usufruto exclusivo dos territórios, colocando em risco as comunidades que irão sofrer com aliciamento de terceiros não indígenas", afirma Ricardo Terena, coordenador do departamento jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
No dia 13, a comissão aprovou o PL 6.050/2023, originado da CPI das ONGs, em votação simbólica que durou menos de um minuto. O texto legaliza a exploração de recursos naturais em territórios indígenas e permite que comunidades firmem parcerias com empresas públicas, privadas ou cooperativas de garimpeiros. O projeto segue agora para as Comissões de Serviços de Infraestrutura, Meio Ambiente e Constituição e Justiça antes de chegar ao Plenário.
Já em 20 de agosto, a CDH aprovou o PL 1.331/2022, de autoria do senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR), que autoriza a pesquisa e a lavra garimpeira em Terras Indígenas por terceiros, mediante consentimento das comunidades. Embora o texto proíba a mineração industrial em áreas de povos isolados, especialistas apontam que ele abre brechas graves ao fragilizar o usufruto exclusivo garantido pela Constituição e não oferecer salvaguardas efetivas para a autodeterminação dos povos originários.
O projeto tem caráter terminativo, ou seja, se aprovado nas comissões designadas, pode seguir diretamente para a Câmara dos Deputados sem passar pelo Plenário do Senado. Após a votação na CDH, a proposta foi encaminhada à Comissão de Meio Ambiente (CMA).
Para Renata Vieira, advogada do Instituto Socioambiental (ISA), a aprovação dos projetos pela CDH revela um conflito central: sob o argumento de promover autonomia e desenvolvimento econômico, as propostas acabam submetendo os povos indígenas a regras impostas de fora, alinhadas sobretudo a interesses empresariais e políticos.
“Sem garantias efetivas de consulta prévia, fortalecimento da Funai e respeito ao regime constitucional, a regulamentação pode abrir caminho para a legalização de práticas que hoje destroem Terras Indígenas e colocam em risco a sobrevivência física e cultural dessas comunidades”, explica. Além disso, a advogada aponta que a regulamentação de garimpo em Terra Indígena é inconstitucional, pois possui vedação expressa no texto constitucional.
Em nota técnica, a Apib classificou os dois projetos como inconstitucionais. Para a entidade, as propostas desrespeitam o Artigo 231 da Constituição, que garante aos povos indígenas o usufruto exclusivo das riquezas de suas terras, além de violarem a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que obriga a consulta livre, prévia e informada às comunidades afetadas.
A Apib ressalta ainda que há um vício formal grave: os projetos tratam de temas que a Constituição determina que sejam regulamentados por lei complementar — que exige maioria absoluta no Congresso e debate mais rigoroso —, mas estão sendo apresentados como leis ordinárias, de tramitação simplificada. Essa escolha, segundo a entidade, fere o devido processo legislativo e compromete a validade jurídica das propostas.
Outro ponto destacado é a tentativa de justificar a exploração econômica sob a retórica de conferir “autonomia” às comunidades, o que para a Apib constitui uma falsa autonomia: a decisão, na prática, seria condicionada a interesses de empresas e investidores externos. As propostas “acentuam os conflitos nos territórios, fragilizam os instrumentos de proteção da biodiversidade e da gestão territorial e ambiental indígena, e abrem caminho para violações generalizadas aos direitos humanos”, afirma a organização em Nota Técnica.
Os dados citados pela Apib reforçam a gravidade da ameaça. Estima-se que 90% dos Yanomami de nove aldeias já estejam contaminados por mercúrio decorrente da atividade garimpeira. Entre 2019 e 2022, 570 crianças Yanomami morreram por causas diretamente ligadas ao avanço do garimpo ilegal, como desnutrição, malária e falta de atendimento médico.
No sul da Bahia, o povo Pataxó denuncia a destruição de nascentes e cursos d’água causada pela extração de terras raras. No Pará, comunidades Munduruku enfrentam violência armada, presença de facções criminosas e desestruturação cultural ligada à invasão de garimpeiros. Impactos como esses demonstram que a legalização da mineração e de outras atividades econômicas dificilmente resolveria os problemas do garimpo ilegal, mas poderia agravá-los ao dar aparência de legalidade a práticas já devastadoras.
Durante as votações, defensores dos projetos argumentaram que a regulamentação poderia trazer mais transparência e reduzir a atividade clandestina. Mecias de Jesus afirmou que o PL 1.331/2022 garante “benefícios diretos” às comunidades indígenas, enquanto a presidente da CDH, senadora Damares Alves (Republicanos-DF), defendeu que o Grupo de Trabalho sobre a Regulamentação da Mineração em Terras Indígenas, criado em abril de 2025 e coordenado pela senadora Tereza Cristina (Progressistas-MS), deveria articular todas as propostas sobre o tema. Até o momento o GT não foi instituído formalmente.
Durante a votação, os senadores Augusta Brito (PT-CE) e Paulo Paim (PT-RS) fizeram duras críticas ao PL 1331/2022. Brito alertou que a mineração em Terras Indígenas comprovadamente impacta de forma devastadora mulheres e crianças, citando casos de abortos espontâneos e mortes infantis ligadas à contaminação por mercúrio, além das 570 crianças Yanomami mortas entre 2019 e 2022 em meio à crise humanitária agravada pelo garimpo. Ela reforçou que não há urgência em aprovar a proposta sem antes ouvir os povos diretamente afetados, pedindo que o debate seja aprofundado no grupo de trabalho criado no Senado.
Já Rogério Carvalho (PT-SE) destacou, em seu voto separado lido pelo senador Paulo Paim (PT-RS), que qualquer atividade mineral em territórios indígenas tem impacto irreversível sobre comunidades e ecossistemas, lembrando que o garimpo ilegal tem provocado envenenamento por mercúrio, violência, prostituição forçada de meninas, avanço do crime organizado e lavagem de dinheiro com ouro ilegal. Para ele, a proposta falha em garantir salvaguardas aos direitos humanos, ignora a diversidade dos povos indígenas e incorre em inconstitucionalidades, razão pela qual defendeu sua rejeição.
Para a Apib, os PLs 6.050/2023 e 1.331/2022 não apenas colocam em risco a proteção dos territórios indígenas, mas também afrontam o princípio da vedação ao retrocesso em direitos fundamentais “uma vez que violam o usufruto exclusivo dos territórios e autorizam atividades de elevado impacto socioambiental no interior dos territórios, colocando as comunidades indígenas em risco”, alerta Ricardo Terena.
Notícias e reportagens relacionadas
Relato de Valêncio da Silva Macedo, Agente Indígena de Manejo Ambiental (AIMA) em Urumutum Lago, registra os acontecimentos dos últimos meses e sua ligação com eventos anteriores
Valêncio Macedo é AIMA (Agente Indígena de Manejo Ambiental) em sua comunidade desde 2018, depois de ter tido experiências de pesquisa na Escola Pamaali e com manejo de peixes. Essa notícia será integrada em um texto mais extenso do autor, reunindo suas observações e registros sobre os ciclos de vida dos últimos três anos, que aparecerá no próximo número da Aru, revista de pesquisa intercultural da Bacia do Rio Negro, que está em fase final de preparação, a ser lançada em outubro.
Leia o depoimento:
Em junho de 2025, enfrentamos pela segunda vez uma grande enchente em nossa comunidade (Urumutum Lago, no Baixo Rio Ayari, que é o principal afluente do Rio Içana). Em 2014, neste mesmo mês, ocorreu outra grande enchente. Agora, após onze anos, essa enchente teve ainda mais impacto, com o nível das águas superando em mais de 50 centímetros a marca de 2014, alagando parte das casas (seis casas, incluindo a minha) e das roças. Em 2014, as roças não alagaram como aconteceu dessa vez. Se o rio subisse mais um palmo de altura, a comunidade ia alagar toda.
A enchente atingiu seis roças de três famílias, de Atilio Campos Mateus, Arlindo Macedo e Cleto Lopes Macedo. Eram roças maduras e roças novas, em desenvolvimento. Entre as comunidades vizinhas à nossa, Camarão, Foz do Miriti, Tucunaré Lago, Cará Igarapé, Santana, São Joaquim, também sofreram com o alagamento de roças.
Os quintais das casas também ficaram inundados, onde temos várias plantações comestíveis: banana, açaí-do-Pará, açaí-do-igapó, Ingá-de-metro, pupunha, abacaxi, pimenta, alho, cebolinha, limão, cupuaçu, umari, abacate, coco, goiaba, manga, caju e plantas medicinais, que não podemos perder. Duas roças de abacaxi alagaram na área da comunidade. Uma muda de açaí-do-pará demora cinco anos para começar a frutificar e uma muda de abacaxi ou banana, um ano. São as plantas que precisam de tempo para se recuperar, e nós, donos dessas plantas, não podemos fazer nada para salvá-las. Justamente quando as plantações dos quintais estavam se recuperando do alagamento de 2014 e já estávamos começando a consumir algumas frutas, perdemos novamente.
O rio cresceu e por um mês ficou parado, até final de junho, daí baixou pouco a pouco até chegar no nível normal. Com essa demora, as plantações começaram a morrer, já que não podem passar muito tempo dentro d’água, não são como as plantas do igapó, que não morrem. Na enchente, a água do rio torna-se bastante suja e os quintais alagados ficam cheios de lodo (motoowhaa) e algas (molewa), que estragam as plantações e mudas das plantas.
Na enchente, a água fica contaminada, algumas plantas venenosas morrem nas margens dos igarapés, causando doenças nas pessoas e peixes; os peixes parecem tinguijados e, mortos, pioram a situação. Nesse mês, quando estive na pescaria, observei uma sucuri morta, já que o bicho não teve mais espaço para descansar. Em 2014 morreram jacarés enormes e sapos venenosos no igapó, como novamente dessa vez. Por isso nós bebemos somente água das chuvas, para evitar beber sujeira dos bicho mortos.
Na comunidade construímos um barracão, espaço para os viajantes chegarem a qualquer hora para pernoitar e sair, também a qualquer hora, para que os passageiros tenham facilidade de cuidar da sua canoa e evitar roubos. Esse barracão também foi atingido, ficando com um metro de água.
A minha casa foi a mais impactada, tivemos que nos mudar para a casa da minha irmã Celina e levar todas as nossas coisas. Mas ao menos as minhas roças ficaram distantes da enchente. A casa da minha irmã fica no outro lado do igarapé, a ponte foi no fundo, e tivemos que ir com uma canoinha para chegar na casa, de manhã para ir ao mingau no centro comunitário e para os estudantes irem à escola. Quando o rio começou a baixar, nossas casas estavam com bastante sujeira, ficamos dias limpando o lodo e o limo (molewa) nas paredes das casas, dentro e fora.
Ataque da roças por porcos do mato
Esses eventos extremos sempre afetam a vida da população, mas as dificuldades para os moradores de Urumutum Lago não pararam por aí. No mês de julho começaram os ataques de porcos do mato às roças. Novamente, narro acontecimentos que se passaram pela segunda vez na minha comunidade, registrados no monitoramento que faço como pesquisador AIMA, descrevendo todos os fatos que afetaram a vida da população. Os ataques às roças por porcos do mato – nova espécie de queixada, aapidza panali (falsa queixada), causaram grandes estragos nas roças no entorno da comunidade. O cheiro dos animais é forte e são de tamanho menor (como caititu).
A comunidade está localizada numa paisagem baixa, área de muita campinarana chamada na língua baniwa hamaliani, também com muitos igapós - áreas de floresta alagável. Assim, temos pouco espaço para abrir roças, e as que temos são de pequeno tamanho, feitas em capoeiras novas; não tem mais mata primária neste local, o que era mata primária nossos antepassados derrubaram tudo, os locais tornaram-se capoeiras novas, não capoeira madura, que abrimos para ser local das nossas roças por falta de área melhor. O desenvolvimento de uma roça nas áreas de campinarana leva de três a quatro anos, só então chegam na maturação. Não é como as roças feitas em terra firme, onde o desenvolvimento da maniva é rápido, em um ano.
Leia também:
Pesquisadores indígenas analisam impactos da crise climática no Rio Negro
Rio Negro: expedição registra roça-floresta indígena e efeitos da emergência climática
Com esse pouco espaço que temos próximo da comunidade, dá apenas para segurar nossa vida com nossa família. Vivemos também com as trocas de farinha por peixes com as pessoas das áreas de terra firme, quando elas trazem em suas viagens. Por isso, quando ocorre este tipo de fato, como agora, somos muito afetados.
Entre 2017 e 2020 enfrentamos pela primeira vez esses animais selvagens que atacaram nossas roças. Chegamos a cercar as roças com varas para proteger dos animais selvagens, mas as varas não resolveram nada, entraram assim mesmo. Caçadores seguiram os bichos nas roças e na mata, mas não resolveu. Eles também andam em noite de luar, o que dificulta o monitoramento das roças. Sumiram depois de atacarem todas as nossas roças.
Antes, não pensávamos em ter que enfrentar esse problema em nossa vida – perdemos todas as nossas roças, nenhuma escapou, e toda a maniva. Em 2020, não tinha sobrado nenhuma roça. Ficamos quatro anos sem roças e vivemos apenas das trocas de peixes por farinha. Durante este período, abrimos novas roças. Agora, em julho de 2025, ocorreram novamente ataques às roças da comunidade, justamente quando as nossas roças estavam recuperadas.
Com este ataque que enfrentamos agora, consultamos conhecedores e conhecedoras sobre casos passados e eles afirmaram que antigamente não tinha este tipo de animal que ataca as roças, como está acontecendo agora. Somente caititus (dzamolito) atacavam as roças do povo das aldeias, mas não tanto assim. Esses porcos que aparecem agora são mais rápidos e atacam tanto as roças maduras como novas.
Mandioca é um alimento usado diariamente nas comunidades – sem farinha e beiju, os peixes e as caças não têm gosto. Por isso que a farinha e o beiju não podem faltar nas nossas casas e não podemos segurar as nossas vidas só com as frutas.
Ataques de porcos do mato
O surgimento das “falsas queixadas” foi relatado pela primeira vez em 2018 por moradores da Comunidade Urumutum Lago. Entretanto, o fenômeno dos ataques massivo das roças pelos porcos do mato também afeta outras diversas comunidades da área de igapó do Alto Rio Negro desde 2015.
Pesquisadores indígenas associam esses comportamentos à falta de frutos nas florestas causada por alterações no ciclo reprodutivo das plantas em decorrência da privação hídrica durante longos períodos de seca severa. Seus efeitos são refletidos nas dinâmicas da fauna ao longo do ano.
O cenário apresenta um desafio para a segurança alimentar das comunidades locais e revela sinais de mudanças ambientais e climáticas. Na perspectiva cosmológica Baniwa, o aumento das pragas também está relacionado à ausência de pajés, responsáveis por proteger as roças por meio de benzimentos.
Tal relato evidencia como os povos indígenas interpretam e respondem às “mudanças mais-que-climáticas”, que combinam impactos ambientais, sociais e espirituais na Amazônia.
Saiba mais na publicação de Natalia Pimenta e Valêncio Macedo na Revista Aru, volume 4.
Notícias e reportagens relacionadas
Quatro redes amazônicas apelam por ação coordenada pela integridade da Amazônia e a proteção do clima global
Em um momento decisivo para o futuro da maior floresta tropical do planeta, quatro importantes redes socioambientais entregaram aos governos dos países da região um documento estratégico com recomendações urgentes para proteger a conectividade ecológica, hidroclimática e sociocultural da Amazônia.
A entrega dessas recomendações ocorre no marco de abertura dos Diálogos Amazônicos, espaços preparatórios convocados pelo Ministério das Relações Exteriores da Colômbia como etapa prévia à Cúpula de Presidentes da Amazônia, que será realizada em 22 de agosto em Bogotá, Colômbia, e à COP30, prevista para novembro em Belém, Brasil. Esses eventos são oportunidades-chave para impulsionar uma ação conjunta em defesa do bioma e do clima global.
O documento reúne mensagens e recomendações concretas baseadas nos estudos e análises mais recentes do Painel Científico para a Amazônia (SPA), da Aliança Águas Amazônicas (AAA), da Aliança Noramazônica (ANA) e da Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada (RAISG).
A proposta central é clara: a conectividade da Amazônia deve se tornar o novo eixo orientador das políticas públicas e dos compromissos internacionais voltados à ação climática, à conservação da biodiversidade e ao bem-estar humano.
“A perda de conectividade na Amazônia ameaça as funções e os serviços da maior e mais bem conservada floresta tropical do planeta, bem como o maior e mais diverso sistema de água doce. Está em jogo muito mais do que um território: está em jogo o equilíbrio global”, afirmam as organizações signatárias.
Sem conectividade ecológica, funções vitais como o transporte de vapor d’água, a regulação das chuvas, o armazenamento de carbono e a reprodução da vida silvestre estão em risco.
Além das consequências ecológicas, a perda de conectividade ameaça diretamente a saúde, a segurança alimentar e hídrica, os modos de vida e os conhecimentos de mais de 47 milhões de pessoas que habitam a região. A perda da conectividade amazônica também desencadeia fatores alarmantes para a vida humana em escala global, dado o papel central da região na regulação do clima do planeta.
O documento, dirigido aos presidentes e à Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), ganha ainda mais força diante do contexto crítico enfrentado pela região. A Amazônia se aproxima de um ponto de não retorno, alertam as organizações. O avanço acelerado de atividades econômicas e a contínua perda de florestas estão debilitando a conectividade ecológica de forma alarmante.
Até 2022, segundo dados da ANA e da RAISG, 23% do bioma amazônico (193 milhões de hectares) já havia perdido completamente sua conectividade ecológica, e outros 13% (108 milhões de hectares) apresentavam degradação significativa de sua função. Como resultado, entre 1985 e 2022, a área em desconexão ecológica na Amazônia dobrou.
Além de alertar sobre os riscos, as redes afirmam estar “disponíveis para formar um grupo de trabalho técnico-científico para criar uma metodologia de monitoramento do estado da conectividade da Amazônia e apoiar a criação e implementação de programas de proteção da conectividade, bem como processos de avaliação dos resultados das ações de restauração e manutenção da mesma”, concluem.
Sete recomendações aos governos amazônicos
No documento, as redes signatárias conclamam os países amazônicos a coordenar esforços de forma decidida, tanto em nível nacional quanto regional, respeitando a soberania de cada país e se articulando por meio da OTCA, com o objetivo de:
- Eliminar completamente o desmatamento, a degradação e os incêndios criminais até 2030.
- Preencher lacunas de proteção em áreas estratégicas com uma perspectiva de conectividade.
- Criar e financiar um programa regional de restauração de corredores ecológicos e reconexão de biomas em áreas estratégicas.
- Estabelecer espaços para a participação efetiva das comunidades locais.
- Promover uma sociobioeconomia que conserve os ecossistemas terrestres e aquáticos e fomente iniciativas comunitárias.
- Estabelecer acordos sobre critérios regionais para avaliar a viabilidade socioeconômica e os riscos socioambientais de projetos de infraestrutura.
- Combater o avanço das atividades ilegais, crimes ambientais e crime organizado.
Carregando