A Bacia do Rio Negro se estende pelos estados do Amazonas e de Roraima, no Brasil, e também avança pelos territórios vizinhos da Colômbia, Venezuela e Guiana. Na sua porção no Amazonas, a bacia é uma das regiões mais preservadas de todo o bioma amazônico, com biodiversidade incalculável. Por outro lado, a parte da bacia localizada em Roraima vem sofrendo grande degradação ambiental causada pelo garimpo ilegal de ouro, desmatamento e roubo de terra, ou "grilagem de terra".
Aproximadamente 68% da Bacia do Rio Negro no Brasil está formalmente protegida por um conjunto de unidades de conservação e terras indígenas legalmente reconhecidas. A diversidade cultural da região é enorme: ali vivem 45 povos indígenas e estão localizados dois patrimônios culturais do Brasil – a Cachoeira de Iauaretê e o Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro – além do ponto mais alto do Brasil, o Pico da Neblina, lugar sagrado do povo Yanomami.
No Rio Negro, o ISA mantém trabalho de longo prazo e parceria institucional - que nos enche de orgulho - com associações indígenas e suas lideranças, entre elas a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), a Hutukara Associação Yanomami (HAY) e o Conselho Indígena de Roraima (CIR).
Mantemos escritório e equipe na cidade de São Gabriel da Cachoeira (AM), considerado o município mais indígena do Brasil, localizado no Alto Rio Negro. De São Gabriel, também descemos com as águas do Negro para apoiar comunidades e associações indígenas dos municípios de Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos, ambos no Amazonas. Em 2009, o ISA incorporou a organização Comissão Pró-Yanomami (CCPY), sua equipe e legado, abrindo escritório em Boa Vista (RR) e passando a atuar diretamente com o povo Yanomami e outros povos de Roraima.
Atualmente, o ISA atua na Bacia do Rio Negro com a promoção de processos formativos, articulando parcerias para a proteção dos territórios indígenas, valorização da diversidade socioambiental, segurança alimentar das comunidades, desenvolvimento de cadeias de valor da economia da floresta para geração de renda e produção de pesquisas interculturais que dêem visibilidade aos conhecimentos tradicionais e modos de vida das populações que, há muitos anos, mantém as florestas da região preservadas.
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Juventudes indígenas do Rio Negro lançam Carta de Direitos Climáticos durante a COP30
Documento é resultado de mobilização iniciada em 2023, em meio à maior seca já registrada na história da Bacia Amazônica
No próximo dia 14 de novembro, às 17h, na Aldeia COP, em Belém (PA), jovens indígenas do Rio Negro lançarão oficialmente a Carta de Direitos Climáticos das Juventudes Indígenas do Rio Negro, um documento histórico que nasce da mobilização de adolescentes e jovens que vivem entre as comunidades e as cidades da região, em defesa do futuro dos seus territórios, modos de vida e da própria Amazônia.
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Entrega simbólica da carta à Ministra Sônia Guajajara durante a Pré-Cop Parente em São Gabriel da Cachoeira|José Paulo/Rede Wayuri
A cerimônia contará com a presença de jovens e representantes da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), da Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas e parceiros.
Registro da primeira oficina sobre justiça climática e racismo ambiental, em 2023, que deu início soa estudos sobre Cartas de Direitos Climáticos |Yasmim Baré/Acervo pessoal
As discussões começaram com oficinas sobre Justiça Climática e Racismo Ambiental, realizadas pelo Departamento de Adolescentes e Jovens Indígenas do Rio Negro (Dajirn) e pelo Instituto Socioambiental (ISA), em parceria com a Rede Wayuri, a Funai e a Secretaria Municipal de Juventude de São Gabriel da Cachoeira.
“A partir destas oficinas, iniciamos os estudos sobre Cartas de Direitos Climáticos, como a que foi desenvolvida na Maré, no Rio de Janeiro, e na Ilha de Caratateua, no Pará. Isso inspirou a juventude indígena rionegrina a pensar e refletir sobre seu território dentro deste contexto da emergência climática, trazendo um olhar, por exemplo, dos seus próprios processos de gestão e documentos importantes, como o Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) sob a luz da justiça climática”, enfatiza Juliana Radler, analista de políticas socioambientais do Programa Rio Negro, que conduziu as oficinas em 2023.
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Jovens no encontro para elaboração da carta em São Gabriel da Cachoeira|Rede Wayuri
O movimento seguiu com encontros periódicos online de estudos e debates e em outubro de 2024, durante a V Assembleia Geral Eletiva do Dajirn – que teve como tema “Desafios para o bem viver dos adolescentes e jovens indígenas do Rio Negro” – os jovens representantes das cinco regiões da Foirn definiram os eixos prioritários e aprovaram a proposta de elaboração da Carta de Direitos Climáticos das Juventudes Indígenas do Rio Negro, preparada para ser lançada durante a COP30.
Antes de chegar a Belém, o documento teve um momento simbólico de entrega à ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, durante a Pré-COP Parente, realizada em São Gabriel da Cachoeira (AM), em setembro deste ano. O gesto marcou o reconhecimento da Carta como uma contribuição concreta da juventude indígena do Rio Negro ao debate climático global.
Dez propostas para garantir o futuro dos territórios
A Carta de Direitos Climáticos apresenta dez propostas concretas e possíveis de implementação, que dialogam com a realidade local e apontam caminhos para a justiça climática na Amazônia:
Financiamento climático: destinar recursos para os Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTAs) nos territórios indígenas.
Educação intercultural: criação do Instituto de Conhecimentos Indígenas e Pesquisas do Rio Negro (Icipirn).
Saúde indígena: construção de um hospital intercultural modelo em São Gabriel da Cachoeira.
Gestão de resíduos sólidos: implantação de aterros sanitários e coleta adequada de lixo e eletrônicos.
Saneamento básico: universalização dos serviços de água e esgoto nos três municípios do Rio Negro.
Patrimônio cultural e memória: criação do Museu da Memória Indígena no Noroeste Amazônico até 2030.
Direitos da Natureza: reconhecimento jurídico do Rio Negro como uma entidade viva.
Mobilidade amazônica fluvial: plano de transporte público que conecte comunidades e cidades.
Governança ambiental indígena: reconhecimento e fortalecimento dos Agentes Indígenas de Manejo Ambiental (AIMAs).
Mitigação e adaptação climática: substituição dos motores a diesel por energia solar nas comunidades.
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Jucimeiry Garcia, coordenadora do Dajirn, fez entrega simbólica da Carta de Direitos Climáticos das Juventudes do Rio Negro à ministra Sonia Guajajara|Vanessa Fernandes/ISA
Com a Carta de Direitos Climáticos, as juventudes indígenas do Rio Negro querem ser ouvidas como protagonistas da luta por justiça climática. Elas defendem o direito de existir em seus territórios, de preservar seus modos de vida e de construir, desde agora, o amanhã que desejam para suas comunidades e para o planeta.
“Seguimos firmes no compromisso de defesa da nossa cultura e nossos territórios. Nossa floresta é mais do que um depósito de carbono. Nossa floresta é nossa casa, onde moramos, trabalhamos e morremos. Nossos ancestrais estão aqui. Nossa origem, nossas histórias e nossas línguas pertencem à Amazônia” – diz trecho do documento.
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Na COP30, lançamento da Aru 6 celebra 20 anos de pesquisa dos Aimas no Rio Negro
Nova edição da revista também reafirma a importância do conhecimento indígena para compreender e enfrentar a crise climática
Há vinte anos, no Rio Tiquié, um grupo de pesquisadores indígenas deu início a um trabalho pioneiro de observação e registro do meio ambiente em seus ciclos a partir das narrativas dos conhecedores mais velhos sobre a origem e a ordem do mundo. Hoje, a rede de Agentes Indígenas de Manejo Ambiental (AIMAs) se estende também ao Rio Içana, ao Uaupés e ao Médio Rio Negro, ampliando o alcance de um trabalho que combina ciência, cultura e observação cotidiana.
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A pesquisa dos ciclos anuais é o núcleo deste trabalho dos AIMAs. Na foto, o trabalho sistematizado que combina ciência, cultura e observação cotidiana|Aloisio Cabalzar/ISA
Em celebração aos 20 anos dessa trajetória de pesquisa e resistência, a edição nº 6 da Aru – Revista de Pesquisa Intercultural da Bacia do Rio Negro, editada pelo Instituto Socioambiental (ISA) em parceria com a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), apresenta uma linha do tempo com os principais momentos dessa caminhada, desde a formação do primeiro grupo de AIMAs até hoje, destacando eventos climáticos marcantes e trechos de seus diários.
Uma série de eventos durante a COP 30 em Belém na próxima semana marca o lançamento da publicação.
(Veja a agenda de eventos abaixo)
A pesquisa dos ciclos anuais é o núcleo deste trabalho. Homens e mulheres, jovens e adultos, inspirados pelos conhecimentos dos mais velhos, observam diariamente os fenômenos ambientais e registram as transformações que percebem no ambiente: a intensidade das chuvas, a variação dos rios, a floração e frutificação das plantas, as migrações e períodos de reprodução dos animais – e como esses ritmos se alteram com o passar dos anos.
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Acervo possui mais de 420 diários produzidos por 89 pesquisadores desde 2005|Mariana Lacerda/ISA
Escritos em português e em línguas indígenas como tukano, tuyuka e baniwa, esses cadernos formam um acervo de mais de 420 diários produzidos por 89 pesquisadores desde 2005. São registros que mostram, ao mesmo tempo, a força da vida comunitária e os sinais de um clima em desequilíbrio, sendo uma narrativa viva das mudanças climáticas na Amazônia.
Os relatos revelam como os ciclos naturais vêm se descompassando. Os peixes que sobem fora de época, árvores que florescem antes do tempo, pássaros que atrasam a migração. Como dizem os conhecedores do Rio Negro, “os animais conhecem melhor o tempo que o homem”, porque respondem integralmente às condições do ambiente.
Nos últimos dez anos, por exemplo, as anotações têm captado com clareza os efeitos das mudanças climáticas. Entre 2015 e 2024, a Amazônia enfrentou uma sucessão de extremos: grandes secas (2005, 2010, 2015-2016, 2018 e 2023-2024) e enchentes históricas (2021 e 2022) atingiram as bacias do Rio Negro e do Solimões, alterando profundamente a vida das comunidades. Rios secaram a ponto de isolar aldeias, peixes morreram por falta de oxigênio, plantações foram perdidas e o calor extremo se tornou cada vez mais presente.
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Desenho do pesquisador Felix ilustra incêndios florestais em Barcelos|Félix Rezende Barbosa
Ao celebrar os 20 anos de atuação dos AIMAs, esta edição da Aru também reafirma a importância do conhecimento indígena para compreender e enfrentar a crise climática. São 14 textos, elaborados por pesquisadores indígenas e não indígenas, que abordam como os eventos extremos aparecem nas anotações dos agentes e afetam a vida das comunidades, além dos desafios de traduzir o conhecimento indígena em dados científicos sem perder o sentido cultural e o olhar próprio de quem vive na floresta.
Há também relatos detalhados dos ciclos anuais observados no Tiquié e no Içana, revelando a precisão com que os AIMAs registram os sinais da natureza e interpretam as alterações nos ritmos do tempo. Fotografias e desenhos feitos por eles complementam os calendários e mostram a beleza e o detalhamento dessas observações.
Outros textos abordam temas como os incêndios em Barcelos e a recuperação das paisagens destruídas, a seca severa em São Gabriel da Cachoeira e seus impactos sobre a vida nas cidades e comunidades, além de reflexões sobre soberania alimentar e mudanças climáticas na região transfronteiriça do Rio Vaupés.
Juntas, essas narrativas traçam um panorama poderoso sobre o que significa viver e resistir em um território profundamente afetado pelas mudanças do clima. O que o mundo inteiro discute em conferências globais, os AIMAs sentem e registram no dia a dia: o atraso das chuvas, o desaparecimento dos peixes, o calor mais intenso, a transformação das paisagens e das relações com a floresta.
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Ilustração dos ciclos anuais durante oficina de AIMAs|Aloísio Cabalzar/ISA
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AIMAs registram os sinais da natureza e interpretam as alterações nos ritmos do tempo com precisão|Mauro Pedrosa/ISA
Exposição e lançamento na COP30
A exposição “O que sonham os invisíveis - cosmopercepções da floresta” apresenta uma produção coletiva de arte contemporânea criada nas residências do projeto Cosmopercepções da Floresta, iniciativa do Goethe-Institute, realizada ao longo de dois anos em cinco territórios: Amazônia colombiana, Ilha do Marajó, Mata Atlântica, Floresta Boreal (Finlândia) e o eixo Rio Negro–Munique.
A mostra, que inclui obras dos artistas indígenas rionegrinos Feliciano Lana, Ismael dos Santos e dos AIMAs, será inaugurada no dia 10 de novembro, às 19h, na Galeria Benedito Nunes (Fundação Cultural do Pará – Centur), onde permanece aberta ao público até 28 de novembro, com entrada gratuita.
O lançamento oficial da Aru 6 acontece no dia 13 de novembro, na Galeria Benedito Nunes, com uma roda de conversa sobre a relevância do trabalho dos AIMAs para a governança ambiental dos territórios indígenas e, consequentemente, para a agenda climática, dada a importância da conservação da Amazônia para o equilíbrio do clima e a mitigação do aquecimento global.
Participaram da conversa os pesquisadores indígenas Oscarina Caldas, Roberval Pedrosa e Genilton Apolinário, a coordenadora do Departamento de Patrimônio Cultural e Pesquisa Intercultural da Foirn, Hildete Marinho, e o pesquisador do ISA, Aloisio Cabalzar.
Também no dia 13 de novembro, das 16 às 17h30, os AIMAs participaram do evento temático “Pesquisa intercultural para o monitoramento das mudanças climáticas por povos indígenas”, realizado no Rainforest Pavillion, na Blue Zone da COP30.
13 de novembro | 10h Galeria Benedito Nunes – Fundação Cultural do Pará (Centur), Belém (PA) Roda de conversa “A importância dos AIMAs para a governança ambiental e a agenda climática” Com: Oscarina Caldas, Roberval Pedrosa, Genilton Apolinário, Hildete Marinho (Foirn) e Aloisio Cabalzar (ISA)
13 de novembro | 16h Rainforest Pavilion – Blue Zone Roda de Conversa” Pesquisa intercultural para o monitoramento das mudanças climáticas por povos indígenas”
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Carta de Surucucu: VI Fórum de lideranças Yanomami e Ye'kwana mostra força coletiva e cobra avanços
Documento reconhece esforços do governo, mas exige ações urgentes, como o combate à malária
Surucucu, conhecida como a região das serras e uma das regiões mais populosas da Terra Indígena Yanomami, foi o palco do VI Fórum de Lideranças Yanomami e Ye’kwana, reunindo mais de 550 pessoas para discussões na mais alta instância de decisões da Terra Indígena Yanomami de 20 a 24 de outubro.
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Lideranças reunidas no último dia do VI Fórum de Lideranças Yanomami e Ye’kwana|Erik Vesch/Cama Leão/ISA
O grande encontro deste ano resultou na Carta de Surucucu, direcionada ao Governo Federal. Os Yanomami e Ye‘kwana reconheceram os esforços que têm sido feitos desde a criação da Casa de Governo em fevereiro de 2024 e exigiram ações ainda necessárias, especialmente no combate à malária e na proteção territorial.
“As decisões aqui apresentadas não são palavras soltas. Elas são a nossa legítima voz e vontade, e é assim que devem ser tratadas, conforme manda o nosso protocolo de consulta”, diz trecho do documento que foca no combate ao garimpo e malária, além de pedir por educação adequada às necessidades do território.
Com a Carta de Surucucu, as lideranças também pedem ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Ministério da Justiça (MJ) que criem forças tarefas a fim de que o Poder Judiciário conclua inquéritos de investigação e processos em aberto.
“É hora de responsabilizar os chefes, os grandes criminosos! A lentidão da justiça pode levar à prescrição desses crimes”, diz trecho do documento.
Chegada a Kori Yauopë
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Xapono que concentrou as atividades tradicionais e apresentações das lideranças de cada associação durante o Fórum|Erik Vesch/Cama Leão/ISA
Waihiri Hekurari, anfitrião do VI Fórum, começou a receber os convidados na comunidade Kori Yauopë dois dias antes do início do evento. Quando a equipe do Instituto Socioambiental chegou ao local, Waihiri se dividia entre cumprimentar os visitantes e trabalhar nos últimos ajustes das casas construídas para alojamento durante o Fórum.
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A liderança Waihiri, uma das vozes mais expressivas no combate ao garimpo, compartilha avanços no VI Fórum de Lideranças Yanomami e Ye’kwana|Erik Vesch/Cama Leão/ISA
Uma das vozes mais expressivas no combate ao garimpo e nas denúncias de descaso durante a gestão de Jair Bolsonaro (PL), Waihiri ficou mundialmente conhecido como Júnior Hekurari - nome que abandonou por sentir a necessidade de uma alcunha mais adulta e diretamente ligada a língua do seu povo. O novo nome carrega o mesmo peso que a palavra “guerreiro” em português.
Surucucu foi uma das regiões mais afetadas pelo garimpo ilegal durante a gestão Bolsonaro. Consequentemente também sofreu com a explosão de casos de malária e chocou o mundo com fotos de crianças e idosos desnutridos. Waihiri lembra o quanto temeu por seu povo.
“A Terra Indígena Yanomami sofreu uma invasão dos garimpeiros e foi bem próximo a minha comunidade, nós ficamos bem assustados com o incentivo que o ex-presidente Jair Bolsonaro fazia para os garimpeiros invadirem. Ele não nos protegeu como presidente do Brasil”, afirmou.
“Eu ando muito nas comunidades e estou vendo a floresta renascer, estou vendo as águas renascerem e isso é ótimo para podermos viver sem adoecer de novo, mas não temos a garantia de como vai ser amanhã se a Casa de Governo for retirada. As ações do governo são provisórias, não tem lei que obrigue a manter toda esta operação”, pontua Waihiri.
A comunidade de Hekurari ganhou o primeiro Centro de Referência em Saúde Indígena do Brasil. Uma unidade inaugurada em 06 de setembro e que, conforme o Governo Federal, tem capacidade para beneficiar cerca de 10 mil indígenas de 60 comunidades, reduzindo remoções de média e alta complexidade para a cidade. Embora o Centro esteja pronto e equipado, os Yanomami ainda aguardam a chegada de profissionais qualificados para que os exames sejam realizados.
Uma imensidão de gente
Quando o VI Fórum começou na manhã ensolarada do dia 20, os representantes de diferentes regiões entraram no xapono se apresentando com cantos tradicionais, pintados com urucum e jenipapo e segurando flechas apontadas para cima. O momento cultural logo deu espaço para que cada associação apresentasse por uma hora as ações que têm feito em benefício dos Yanomami e Ye’kwana.
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Sol da manhã na comunidade Kori Yauopë envolta em neblina|Erik Vesch/Cama Leão/ISA
O resto da semana oscilou entre manhãs que começavam frias mesmo quando o sol podia ser visto enquanto a comunidade estava envolta em neblina e dias que mudavam rapidamente de ensolarado para tempestades. Mas nada disso impediu que os indígenas seguissem discutindo sobre educação, governança, projetos de crédito extraordinário e proteção territorial.
O xapono escolhido para abrigar as discussões ganhou uma arquibancada de madeira capaz de manter até 400 pessoas sentadas. Quando os indígenas sentavam nas fileiras, a casa coletiva era preenchida pelas mais diversas cores vibrantes de suas roupas e das penas que compunham seus adornos e artefatos. Uma verdadeira imensidão de gente.
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O xamã Davi Kopenawa diz que já sonhou com a alma de Lula|Erik Vesch/Cama Leão/ISA
Nos intervalos, os indígenas pegavam pratos de comida, sentavam ao redor do Xapono, esqueciam o celular e conversavam. E este cenário é o que Davi Kopenawa, presidente da Hutukara Associação Yanomami, descreve como o sonho dele para o futuro da Terra Indígena Yanomami: sem internet, sem invasores, com saúde e o silêncio da floresta.
“Minha família está toda aqui porque todos são meus parentes e estão todos bonitos, pintados e fazendo uma festa no VI Fórum de Lideranças”, disse Kopenawa.
De frente para a arquibancada dentro do xapono, quatro grandes mesas estavam posicionadas e ocupadas principalmente pelos representantes das sete associações que compõem a frente de governança do maior território indígena do Brasil.
Se nos últimos dois anos os Yanomami e Ye’kwana chamaram o governo para dialogar e prestar contas, desta vez optaram por fortalecer as relações internas com um diálogo centrado nas necessidades apresentadas pelos indígenas que vivem na base e em apresentações de iniciativas das associações nos últimos anos. Embora descrevam a relação com o atual governo como boa, as lideranças tomaram esta decisão a fim de articular melhor a mensagem do que desejam do Estado de agora em diante.
“Lula está tentando consertar o que outras autoridades estragaram, principalmente Jair Bolsonaro que não foi bom presidente para governar o nosso Brasil. Enquanto o Lula é uma pessoa que gosta da natureza, que gosta da beleza e gosta de nós e cumpriu com a palavra que ele nos prometeu. Mas precisa continuar protegendo a nossa terra e não deixar entrar garimpeiros. Nós estamos juntos neste caminho”, afirmou Kopenawa.
Pelo segundo ano consecutivo, uma pequena delegação de Yanomami e Ye’kwana da Venezuela participou do Fórum de Lideranças. Anñelito Hernandez, que veio da comunidade San Martín, localizada no Alto Ventuari, disse que a participação foi importante para entender os avanços que as associações brasileiras tiveram. “Vimos que existe um acompanhamento por parte do Estado, um compromisso com as comunidades. Também é importante para que possamos trocar informações sobre o que acontece na Amazônia venezuelana e brasileira. Precisamos discutir o futuro da natureza, da biodiversidade e existência dos povos originários”, afirmou. Na Venezuela, o primeiro passo para demarcação de um território é a aprovação do Protocolo de Consulta. No entanto, há quase duas décadas o governo não valida protocolos de consulta de povos indígenas.
Pedidos contra o garimpo
Elayne Rodrigues Maciel, coordenadora da Frente de Proteção Etnoambiental Yanomami e Ye'kuana da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), foi uma das poucas representantes governamentais convidada ao evento. Maciel aproveitou o momento para explicar que o diálogo entre as comunidades e associações é imprescindível para a compreensão da necessidade de novas bases de proteção e postos de vigilância da Funai.
“A gente precisa de muito apoio dos indígenas porque muito do que sai de operações é do que eles trazem de apoio para nós. Não temos como adivinhar onde os garimpeiros estão escondidos se não houver os indígenas para informar para nós onde estão os garimpeiros”, disse.
Maciel também explicou que as forças de segurança estão atuando de forma conjunta para combater o garimpo e apreender materiais retirados ilegalmente de terras indígenas. No início de agosto deste ano, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) fez a maior apreensão de ouro da história do país na BR-401 em Boa Vista.
“O que eu peço a sociedade não indígena é que não compre porque quando vocês compram ouro estão financiando a invasão de outras terras indígenas. Eu sei que o ouro tem importância na vida dos não indígenas, é visto como algo bonito, mas causa sofrimento aos povos da floresta. Seja amigo do povo Yanomami porque não queremos mais chorar pela procura do ouro dentro da nossa terra”, suplicou Waihiri Hekurari.
Ainda referente ao combate ao garimpo, as lideranças pedem no documento que haja celeridade nos inquéritos e julgamentos de garimpeiros e financiadores da atividade ilegal, manutenção da Casa de Governo e operações de desintrusão, além de aprovação do Projeto de Lei 3.776/2024, que prevê aumento de penas mínimas.
Pedidos sobre Saúde
Conforme a Carta de Surucucu, houve 14.615 casos positivos de malária só nos primeiros oito meses deste ano. A quantidade é preocupante, pois a população Yanomami é estimada em cerca de 30 mil pessoas. O documento aponta que há esforços para reestruturação da Saúde e que houve uma queda de 20% no número de casos positivos em comparação ao mesmo período de 2024, mas pedem que as equipes de saúde foquem no diagnóstico rápido.
“É preciso que as equipes do DSEI-YY, junto com nossos agentes de saúde indígena, estejam presentes nas nossas comunidades, fazendo busca ativa e oferecendo tratamentos imediatos para romper o ciclo da malária”, diz trecho da carta.
A presidenta da Associação das Mulheres Yanomami Kumirayoma (AMYK), Carlinha Lins, demonstrou preocupação com a saúde das mulheres que vivem no território.
“Em nome das mulheres, o meu desejo é que haja formações para podermos usar remédios que nos são dados da natureza, um fortalecimento da medicina tradicional e das parteiras”, disse, acrescentando estar preocupada com o número de casos de câncer de colo de útero.
A carta também reforça o desejo dos Yanomami e Ye’kwana por uma educação diferenciada com Territórios Etnoeducacionais como caminho para terem acesso a escolas diferenciadas, bilíngues e interculturais.
“Os jovens cobram a gente. Na minha comunidade, eles nos cobram por ajuda na educação, é o principal pedido. Eles querem o fim das invasões e querem frequentar escolas”, pontuou Júlio Ye’kwana, presidente da Associação Wanasseduume Ye’kwana (Seduume).
Neste ano, a Universidade Federal do Amazonas (UFAM) formou os três primeiros mestres Yanomami. Eles tiveram uma atenção especial desde a fase do pré-projeto, que foram escritos em língua nativa, até as aulas que chegaram a ocorrer dentro da comunidade com a presença de professores universitários. Provando que com a adaptação necessária, os Yanomami e Ye’kwana podem chegar a novos espaços e contribuir com ciência e educação a partir da própria cosmovisão.
O documento das lideranças solicita uma reunião com representantes do Ministério da Educação na Terra Indígena Yanomami. Eles solicitam ainda que a reunião respeite o tempo das lideranças e o Protocolo de Consulta.
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Fórum Socioambiental em Manaus reforça protagonismo de povos indígenas e tradicionais na agenda climática do Amazonas
Presidente no CNS classificou momento como uma renovação de aliança pela defesa dos territórios e das políticas climáticas justas
Nos dias 22 e 23 de outubro, o Centro Cultural dos Povos da Amazônia, em Manaus, foi palco de um encontro histórico. O I Fórum Socioambiental de Políticas Climáticas no Amazonas reuniu mais de 80 pessoas entre lideranças indígenas e de comunidades tradicionais, representantes da sociedade civil, instituições de pesquisa, órgãos governamentais e parceiros técnicos para debater os caminhos da agenda climática no estado - e no país.
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Em dois dias de atividade, o encontro reuniu mais de 80 pessoas no Centro Cultural dos Povos da Amazônia, em Manaus|Michel Dantas/ISA
Organizado pelo Instituto Socioambiental (ISA), em parceria com o Memorial Chico Mendes, o Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), redes e instituições locais, o evento buscou construir um espaço de diálogo e troca de experiências, destacando o papel dos povos da floresta na manutenção dos ecossistemas e na regulação do clima global.
Ao longo de dois dias, oito mesas temáticas guiaram as discussões, abordando desde os desafios e oportunidades dos projetos de carbono e dos pagamentos por serviços ambientais até experiências de governança climática e financiamento para uma transição justa.
Assista ao resumo do evento abaixo.
As conversas também promoveram o intercâmbio de experiências como o projeto pioneiro de REDD Suruí, em Rondônia, o Sistema de Incentivos por Serviços Ambientais (SISA), do Acre, e o programa jurisdicional de REDD+ do Pará, com a presença de Ronaldo Amanayé, da Federação dos Povos Indígenas do Pará (Fepipa), e ainda modelos de parceria com a iniciativa privada, como o caso da empresa franco brasileira, VEJA.
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Presidente do CNS, Júlio Barbosa, extrativista e um dos companheiro de Chico Mendes em empates pela defesa da floresta em pé no Acre|Michel Dantas/ISA
Para o presidente do CNS, Júlio Barbosa, o encontro representou “um novo empate” - uma aliança renovada entre indígenas, extrativistas e quilombolas pela defesa dos territórios e do meio ambiente, inspirada na estratégia criada pelos extrativistas do Acre para impedir o desmatamento.
O que foram os “empates”
Entre as décadas de 1970 e 1990, seringueiros do Acre criaram o empate, uma forma pacífica de resistência ao desmatamento. Organizados por sindicatos, famílias inteiras se colocavam diante dos peões e jagunços para impedir a derrubada da floresta, dialogando numa tentativa de convencê-los a parar. Lideranças como Wilson Pinheiro e, depois, Chico Mendes, marcaram o movimento, que realizou 45 empates até 1988 e se tornou símbolo da luta extrativista pela defesa da floresta.
“Nossos territórios são instrumentos essenciais de equilíbrio climático. Eles precisam ser valorizados, porque é lá que se produz biodiversidade e se mantém o clima mais saudável. O Estado precisa reconhecer e apoiar quem mantém a floresta em pé”, afirmou Júlio.
A fala resume o consenso entre os participantes: políticas climáticas eficazes precisam reconhecer o protagonismo dos povos que há séculos manejam e protegem as florestas, valorizando seus modos de vida e seus conhecimentos.
De Rondônia, o líder do povo Paiter Suruí, Almir Suruí, reforçou a importância de unir o conhecimento tradicional à ciência ocidental e alertou para os efeitos concretos das mudanças climáticas na Amazônia.
“Ano passado, a Amazônia praticamente não produziu castanha. Isso é efeito direto das mudanças climáticas. Precisamos de políticas públicas que fortaleçam nossos modelos de agrofloresta e sustentabilidade, com apoio técnico e financeiro, para garantir a vida na floresta e fora dela”.
Almir participou da mesa sobre mapeamento de projetos de carbono florestal na Amazônia e compartilhou a experiência do Projeto Carbono Suruí, liderado pelo povo Paiter na Terra Indígena Sete de Setembro - pioneiro no Brasil como iniciativa indígena de comercialização de créditos de carbono certificados, destacando-se pelo protagonismo da comunidade na concepção e gestão.
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A esquerda, o líder maior do povo Paiter Suruí, Almir Suruí, durante a mesa sobre projetos de carbono florestal na Amazônia, com a engenheira florestal Karoline Brasil (direita), do Idesam|Michel Dantas/ISA
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Francisca Arara, Sec. dos Povos Indígenas do Acre, Juliana Radler, do PRN/ISA e Hulicio Moisés Kaxinawa, pres. da Organização do Povo Indígena Huni Kuin do Alto Purus (Opiharp)|Michel Dantas/ISA
Já a experiência da construção do Sistema de Incentivos aos Serviços Ambientais do Acre foi analisada pela Secretária dos Povos Indígenas do Acre, Francisca Arara, junto com representantes da sociedade civil que têm participação na governança do sistema. Francisca explicou sobre a definição da repartição de benefícios e como vem sendo implementada essa agenda, assim como os desafios de se levar esse debate para a população, mostrando que os serviços ambientais são aliados do desenvolvimento econômico sustentável.
Carbono no Amazonas
Durante o evento, o diretor-presidente do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Henrique dos Santos Pereira, apresentou um panorama histórico e conceitual das políticas climáticas do estado, destacando a trajetória do Amazonas na formulação de instrumentos como o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) e os programas de REDD+.
Segundo ele, o estado foi pioneiro na criação de uma política estadual de serviços ambientais, mas enfrenta hoje fragilidade institucional e contradições em sua implementação, especialmente por ter “transferido” para a iniciativa privada a captação e o gerenciamento de projetos de carbono.
Henrique também destacou a importância de distinguir o mercado regulado de carbono, previsto nas convenções internacionais, do mercado voluntário, que tem sido foco de fraudes e carece de regulação estatal.
Também presente no evento, o procurador da República do Ministério Público Federal (MPF) do Amazonas, Fernando Beloto, ressaltou o papel do órgão na defesa dos direitos socioambientais e climáticos. Ele informou que mais de 300 processos relacionados a questões ambientais tramitam atualmente no estado, citando casos como o do potássio no território Mura, os projetos de carbono em Carauari e a exploração de gás.
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O diretor-presidente do INPA, Henrique dos Santos Pereira, também compareceu ao evento|Michel Dantas/ISA
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Hélio Gessem Tukano, diretor da Foirn, em mesa com o procurador do MPF do Amazonas, Fernando Beloto|Michel Dantas/ISA
No debate sobre como os projetos de carbono estão chegando às comunidades, lideranças do Amazonas relatam assédio de empresas, cooptação de lideranças e contratos abusivos ou pouco transparentes sobre direitos e deveres das comunidades.
A liderança extrativista Natália Nascimento, da Associação dos Moradores do Baixo Riozinho (Asmobri), em Carauari (AM) - caso citado pelo MPF -, relatou a situação de uma empresa que iniciou projeto no território com contratos abusivos, gerando conflitos internos e irregularidades no processo.
Segundo ela, ainda que o projeto tenha sido suspenso após denúncias das comunidades, as pressões continuam, com tentativas de forçar lideranças a assinar acordos para reverter a decisão do Ministério Público Federal.
“Eles ligam 24h. Quando a gente não atende, mandam áudio, texto, dizendo que querem negociar, ‘mas se eu não quiser, que depois não me arrependa’. Eu entendo isso como uma ameaça”, afirmou.“Quando grandes empresas tomam a frente com o discurso de salvar o mundo, quem sempre cuidou da floresta passa a ser tratado como invasor", finalizou Natália.
A vice-presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), Janete Alves, relatou que, na Terra Indígena Alto Rio Negro, na fronteira com a Colômbia, um projeto de carbono firmado do lado colombiano resultou em invasões de roças no lado brasileiro, já que os contratos impediam as comunidades de abrir novas áreas em seus próprios territórios.
Segundo Janete, empresas também têm se aproximado de comunidades brasileiras. Ela explica que, futuramente, as comunidades podem avaliar a possibilidade de desenvolver projetos, mas somente após capacitação e construção das iniciativas a partir dos próprios territórios, seguindo os protocolos de consulta, a organização política e os PGTAs.
“É um processo que exige paciência, porque precisamos discutir melhor, temos muitas preocupações e também precisamos nos capacitar, além de ouvir as experiências dos outros parentes”, concluiu.
Ronaldo Amanayé, liderança da FEPIPA compartilhou experiências sobre projetos de carbono|Michel Dantas/ISA
Oportunidades e caminhos
Corroborando com o pensamento das lideranças indígenas e extrativistas, o presidente do INPA destacou que a crise pode se transformar em oportunidade para movimentos sociais, organizações da sociedade civil e academia influenciarem os rumos das políticas climáticas.
“Podemos construir, com a participação efetiva do Estado e das comunidades, ambientes mais seguros juridicamente, confiáveis e com protagonismo local, garantindo que os serviços ambientais prestados pelos povos e comunidades sejam de fato reconhecidos e compensados.”
Henrique defendeu também a reconexão entre as agendas de biodiversidade, agrobiodiversidade e clima, lembrando que o Amazonas abriga tesouros genéticos únicos, como o guaraná, o cupuaçu, a mandioca e o abacaxi, que são espécies fundamentais para a segurança alimentar global.
“Um dos mais importantes serviços ambientais prestados pelos agricultores indígenas e tradicionais é a conservação da agrobiodiversidade. O Amazonas tem um potencial imenso e precisa transformar essa riqueza em política pública, com base na valorização de quem conserva.”
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Para lideranças, cientistas e sociedade civil, políticas climáticas eficazes precisam reconhecer o protagonismo dos povos indígenas e tradicionais|Michel Dantas/ISA
Na mesma direção, o líder extrativista Júlio Barbosa destacou o papel estratégico dos territórios tradicionais na resposta à crise climática. Segundo ele, as reservas extrativistas e demais áreas comunitárias são instrumentos essenciais de equilíbrio climático e devem estar no centro das políticas públicas.
“Hoje temos mais de 60 reservas extrativistas na Amazônia, uma imensidão de florestas, e mais de 50 milhões de hectares de terras públicas ainda sem destinação, vulneráveis à grilagem e à violência. Os nossos territórios são instrumentos importantes de adaptação às mudanças climáticas, mas precisamos de uma política de valorização dos produtos da biodiversidade”, afirmou.
Para o presidente da Foirn, Dário Baniwa, o reconhecimento do manejo e dos conhecimentos tradicionais é fundamental para uma estratégia climática eficaz no país. Ele defende que o Estado valorize a organização e a sustentabilidade desenvolvidas nos territórios, garantindo benefícios coletivos aos povos indígenas.
O líder também destacou a urgência de mecanismos diretos de financiamento climático, livres de intermediários e baseados nos planos de gestão territorial e ambiental, em vez do mercado de carbono. “Sem os povos indígenas, não há floresta em pé. E sem a floresta, não há futuro para o planeta.”
Dário ressaltou ainda que negócios socioambientais comunitários já fortalecem a economia local e a preservação da natureza, e que as políticas públicas devem respeitar os protocolos de consulta e garantir participação efetiva das comunidades em todas as etapas.
Dário Baniwa, presidente da Foirn, fala sobre a economia local alinhada com a preservação da natureza|Michel Dantas/ISA
Juliana Radler, analista de políticas socioambientais do Programa Rio Negro do ISA, destaca a parceria do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam) e da Foirn e o apoio do Banco Mundial, da Rainforest Foundation Norway, da Aliança pelo Clima da Áustria e Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Amazonas para a realização do Fórum que, às vésperas da COP30, que ocorrerá entre 10 e 21 de novembro, em Belém (PA), se consolidou como um marco de articulação regional e política.
“Pela primeira vez reunimos lideranças de Rondônia, Acre, Pará e indígenas e extrativistas de todo o gigante Amazonas para discutir as políticas climáticas em Manaus, junto com especialistas da Academia, sociedade civil, governo e iniciativa privada. Essa reunião de mais de 40 lideranças extrativistas e indígenas demonstra a importância da governança e da autonomia desses povos em seus territórios”.
Para Juliana, o evento simboliza o fortalecimento da voz dos povos da Amazônia na construção de políticas de mitigação e adaptação justas e decoloniais. “Não podemos deixar que apenas o mercado financeiro dite os rumos do mercado de carbono. É preciso garantir que ele seja de fato decolonial, com justiça social e climática. Só haverá justiça climática se houver justiça social”, concluiu.
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“Não aceitamos a mineração na floresta”, dizem mulheres Yanomami em carta às autoridades
Documento foi elaborado durante o XVI Encontro de Mulheres Yanomami com assinatura de 67 lideranças femininas da maior Terra Indígena do Brasil
Sessenta e sete mulheres Yanomami assinaram uma carta se posicionando contra a mineração em Terras Indígenas e pedindo para que autoridades não indígenas “parem de mexer com essa palavra sobre mineração”. O documento, divulgado nesta terça-feira (21/10), foi elaborado durante o XVI Encontro de Mulheres Yanomami, na comunidade Kawani, no Rio Mapulaú, afluente do Rio Demini, no Amazonas, que ocorreu entre 22 e 26 de setembro e contou com participantes de 40 comunidades de sete regiões da Terra Indígena Yanomami.
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Mulheres Yanomami se reuniram por cinco dias em Kawani, no Rio Mapulaú, afluente do Rio Demini, no Amazonas|Emmily Melo/Hutukara Associação Yanomami
“Nós, mulheres Yanomami, queremos dizer para vocês, autoridades não indígenas, que parem de falar sempre sobre aquilo que vocês chamam de mineração, que parem de mexer com essas palavras sobre “mineração em Terras Indígenas”, pois não vamos deixar que vocês se aproximem de nossas terras, não aceitamos a mineração na floresta onde vivemos e queremos que vocês desistam disso”, diz trecho do documento.
A carta também conta com reflexões sobre a saúde das mulheres Yanomami, especialmente no que diz respeito à prevenção do câncer do colo de útero, e sobre a necessidade de assistência social aos indígenas quando precisarem se deslocar à cidade. Os tópicos também foram discutidos durante o XVI Encontro de Mulheres.
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Durante a noite, as participantes assistiram filmes sobre os impactos da mineração e garimpo nos territórios|Emmily Melo/Hutukara Associação Yanomami
Durante o evento, as mulheres assistiram a filmes que explicam o que é mineração e os impactos que pode causar. A partir dos filmes, foram feitas reflexões sobre os estragos que o garimpo ilegal causou nos últimos anos no território Yanomami. A partir dos filmes e das discussões feitas, as participantes do encontro afirmam categoricamente que não desejam ver grandes maquinários adentrarem a floresta para causar destruição.
“Vimos imagens de mineração durante nosso encontro e algumas de nós não dormiram. Ficamos muito preocupadas: ‘Hoo... por que os napëpë querem fazer esta coisa assustadora com a floresta? Por que fazem isto?’ E pensamos em nossos filhos com preocupação: ‘como eles irão ficar? Se a mineração chegar aqui, o que vai acontecer conosco? Onde nossos filhos irão poder dormir bem? Por que as pessoas procuram minérios em nossa terra?’”, aponta trecho da carta.
Em agosto deste ano, a Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado aprovou o PL 1.331/2022, que autoriza pesquisa e garimpo em Terras Indígenas. O texto, proposto pelo senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR) e aprovado com a relatoria de Damares Alves (Republicanos-DF), seguiu para a Comissão de Meio Ambiente e aguarda a escolha de um relator.
“Não aceitamos mineração na Terra Indígena Yanomami, pois não queremos que façam sofrer nossos filhos. Nós, mulheres Yanomami, não queremos que o projeto de mineração seja aprovado”, dizem as mulheres Yanomami.
Ainda conforme a carta, as Yanomami temem que garimpeiros cometam violência sexual contra suas filhas, se preocupam com a contaminação dos rios, peixes, o impacto na caça e a destruição da floresta. Elas pedem que as autoridades e governantes não indígenas levem as palavras delas a sério.
Saúde das mulheres Yanomami
Durante as conversas sobre saúde, as Yanomami reivindicaram a ampliação do projeto Construção da Linha de Cuidado do Câncer do Colo de Útero (CCU) na Terra Indígena Yanomami, que visa a construção de uma cadeia de prevenção e diagnóstico precoce das lesões precursoras para evitar casos de câncer de colo de útero.
O projeto nasceu a partir da reivindicação das mulheres Yanomami durante o XIV Encontro das Mulheres Yanomami, realizado na Missão Catrimani em 2023. Hoje o projeto tem sido desenvolvido por meio de Transferência Executiva Descentralizada (TED) com financiamento da Funai, execução do Projeto Xingu da Unifesp em colaboração com o Dsei Yanomami e Ye'kwana e a Secretaria de Saúde Indiígena (Sesai).
A Unifesp possui uma larga e bem sucedida experiência nas ações de prevenção do CCU no Território Indígena do Xingu, tendo conseguido zerar a incidência de câncer de colo de útero no território, que é uma das principais causas de morte entre mulheres na Amazônia.
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Mulheres Yanomami também refletiram sobre saúde no território e passagem pela cidade|Emmily Melo/Hutukara Associação Yanomami
Durante o XVI Encontro das Mulheres Yanomami, elas reivindicaram que a Linha de Cuidado do Câncer do Colo de Útero na Terra Indígena Yanomami seja executada continuamente com a qualificação dos profissionais do Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami e Ye’kwana (DSEI-YY). Hoje, este projeto alcança apenas as regiões de Auaris, Maturacá, Inambu, Maiá, Waikás e Ericó. Embora abranja regiões populosas, o DSEI - Yanomami tem 37 regiões e muitas delas não estão cobertas pelo projeto por limitações orçamentárias.
“Ficamos muito preocupadas com esta doença que existe em nossa terra, pois está fazendo muitas mulheres sofrerem. Por isso, queremos que o projeto cuide das mulheres Yanomami de todas as regiões da Terra Indígena Yanomami. Estamos muito preocupadas com as palavras sobre estas doenças que podem atingir as mulheres. Temos muitas filhas, sobrinhas e netas, por isso ficamos preocupadas, queremos que todas sejam examinadas.” pontuam as Yanomami na carta.
Embora durante o Encontro todas as mulheres possam ter tido acesso ao exame de PCCU, Kawani é uma das comunidades que ainda não está incluída nas regiões atendidas pelo projeto e a moradora Roselita Yanomami afirmou que está preocupada com a saúde das filhas:
“Eu preciso me cuidar e fazer exame, a gente precisa que aconteça na nossa comunidade. Preciso desse direcionamento para esse programa funcionar, é importante fazer o exame do PCCU”, relatou Roselita.
Já Dalila Yanomami observou que há pelo menos três anos os exames de prevenção ao câncer de colo de útero não ocorrem na comunidade Maracanã, onde ela vive. Ela também pontuou a necessidade de que os homens yanomami façam exames, para evitar que eles infectem as mulheres.
“Reforço também que a gente faz esse exame, agora os homens podem estar contaminados ou não, eles precisam fazer exame para não transmitir doenças para nós, mulheres. Quando eu viajo pra cidade eu não sinto dor, mas, tem mulheres que não vão para a cidade então não sabem, muitas mulheres têm coceiras na vagina, isso é preocupante, quero que esse projeto se fortaleça para proteger as mulheres”, pontuou Dalila.
Outra reivindicação das Yanomami é que sejam contratadas Agentes de Saúde Indígena (AIS) mulheres. Falam que, para tratar da saúde da mulher, é essencial que tenham profissionais indígenas mulheres, para que possam se sentir mais à vontade para tratar de temas relacionados à saúde da mulher e ao pré natal.
O terceiro tópico do XVI Encontro de Mulheres Yanomami e da carta diz respeito à assistência social quando os Yanomami se deslocam à cidade de Barcelos, no Amazonas. As mulheres solicitam a execução adequada do crédito extraordinário direcionado aos Yanomami. Juntas, solicitam que a prefeitura do município de Barcelos dê suporte com a construção de uma casa de passagem para os indígenas, visto que há uma crescente presença de Yanomami em Barcelos para o recebimento dos benefícios sociais.
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Canoita segue sua rota e é realizada pela primeira vez no Médio Rio Tiquié
No âmbito da Cooperação e Aliança no Noroeste Amazônico (ANA), povos indígenas da Bacia do Rio Tiquié realizam oficinas de sítios sagrados e segundo encontro de mulheres
Dando continuidade aos encontros da Canoita, retomados no ano passado, a nova etapa aconteceu na comunidade no Médio Rio Tiquié de Boca da Estrada, com a canoa descendo o rio, que secava rápido e despontava cachoeiras. Ali, a recepção foi marcada por cantos de boas vindas da escola, quinhampiras, beijus, mingaus e pela organização com a comunidade vizinha, Nova Esperança, para que os dois centros comunitários fossem ocupados.
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Programação teve momentos coletivos para pactuar combinados, socializar temas, pesquisas realizadas e técnicas de manejo|Mauro Pedrosa/ISA
Conforme a Canoita de maio em São Pedro, o encontro seria pela primeira vez neste trecho do rio para fortalecer o manejo da bacia e chegar a outras comunidades, uma vez que os diálogos, intercâmbios e trocas realizadas até então foram à montante, em comunidades mais próximas da região de fronteira.
As organizações indígenas ATRIART (Associação das Tribos Indígenas do Alto Rio Tiquié) e COITERTI (Consejo Indígena Del Territorio Del Río Tiquié), com a participação de lideranças, conhecedores das comunidades do Médio Tiquié e do igarapé Castanha e parceiros do Instituto Socioambiental (ISA) e da Fundação Gaia Amazonas fizeram duas programações distintas para os dias de trabalho, com momentos coletivos para pactuar combinados, socializar temas e fazer refeições.
No centro comunitário de Boca da Estrada a oficina focou nos sítios sagrados, discutindo o que são, elaborando traduções nas diferentes línguas, debatendo categorias e pesquisas realizadas, mapeando a região e incluindo conhecimentos dos locais onde o manejo deve ser feito com cuidado. Entre os participantes, estavam os conhecedores Bará, Tukano, Tuyuka, Yeba Masã que, junto a lideranças, professores, Agentes Indígenas de Manejo Ambiental (AIMAs) compartilharam histórias, exemplos do que evitar e propuseram técnicas de manejo. Diferentes categorias de sítios sagrados foram apontadas e relacionadas a narrativas de ocupação da região, assim como foram apresentadas e debatidas as políticas indígenas e seus instrumentos para gestão e governança do território dentro dos Estados brasileiro e colombiano.
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Entre as sugestões de boas práticas no manejo ambiental, as mulheres sugeriram "preservar a integridade territorial para as gerações futuras"|Renato Martelli
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Mapeamento sobre a região do Alto Rio Tiquié a partir de seus mapas de manejo comunitário|Mauro Pedrosa/ISA
Em paralelo, as mulheres se reuniram no centro comunitário da comunidade Nova Esperança, na qual vive majoritariamente o povo de etnia Hupd’äh. Juntas, mulheres brasileiras Hupd’äh, Yuhupdëh, Tuyuka, Tukano, Desano e mulheres colombianas de etnias Bará e Tuyuka realizaram o II Encontro de Mulheres do Rio Tiquié.
Em maio de 2024, foi realizado o I Encontro de Mulheres do Tiquié em Bellavista, durante a Canoita. A partir deste primeiro encontro, compreendemos que a realização de atividades que tenham como foco discussões de interesse e conhecimentos das mulheres, com espaços seguros para elaborarem e compartilharem experiências, são fundamentais para a participação e permanência delas dentro das atividades, associações, coletivos e redes.
Nesse sentido, com o intuito de proporcionar intercâmbios de experiências e conhecimentos entre as mulheres da Bacia do Rio Tiquié, tivemos como objetivo principal do segundo encontro construir entendimentos a partir do reconhecimento da importância do trabalho das mulheres indígenas no manejo da bacia.
Para isso, as mulheres indígenas discutiram e refletiram sobre sua atuação na produção de cuidados e manejo com o território que habitam. Os trabalhos realizados na roça, o conhecimento referente ao preparo de alimentos através da recuperação de receitas tradicionais, bem como a coleta de matéria prima para a produção de artesanatos foram compreendidos como atividades importantes para a proteção territorial.
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Mulheres brasileiras Hupd’äh, Yuhupdëh, Tuyuka, Tukano, Desano e mulheres colombianas de etnias Bará e Tuyuka realizaram o II Encontro de Mulheres do Rio Tiquié|Mauro Pedrosa/ISA
Em meio às partilhas de receitas e de técnicas de produção de cerâmica e carajuru, as participantes chamaram a atenção para as mudanças climáticas que têm alterado a dinâmica de produção de alimentos e de coleta de matérias primas. Algumas dessas mudanças afetam as épocas em que se encontram as árvores frutíferas, os espinhos da casca da árvore de avina como ralador (utensílios de cozinha), o trabalho na roça — como os períodos de roçar e queimar, e o crescimento das plantações.
Ainda, através das discussões, ficou nítido que a participação das mulheres vai além do manejo do território: elas estão atentas às relações sociais advindas da transmissão de conhecimentos intergeracionais, bem como das trocas de sementes e mudas na Bacia do Tiquié. Ressaltam a importância da produção dos alimentos que sustentam os filhos, o marido, a comunidade e chamam a atenção aos cuidados e respeito com resguardos que devem realizar ao produzir e consumir determinados alimentos e na produção de alguns artesanatos.
O manejo do território pelas mulheres indígenas da Bacia do Rio Tiquié é realizado de forma ampla, se atentando ao manejo ambiental, mas também às relações sociais, à saúde e à proteção das pessoas que o habitam. Tal manejo, aliado à mobilização política, troca de experiências sobre gestão territorial e aos conhecimentos sobre o território fortalecem mais uma vez a pequena canoa.
Este evento e reportagem foram produzidos com apoio da Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD).
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Boletim de áudio "Vozes do Clima” aborda saberes ancestrais dos AIMAs como ferramentas de adaptação climática
Novo episódio entrevistou agentes indígenas de manejo ambiental do Rio Negro sobre os impactos das mudanças do clima em seus territórios
O Instituto Socioambiental (ISA) lançou nesta quinta-feira (16/10) o novo episódio do boletim de áudio “Vozes do Clima” que, desta vez, apresenta o trabalhos e as pesquisas realizadas pelos Agentes Indígenas de Manejo Ambiental (AIMAs) do Rio Negro, Amazonas, como parte das estratégias para enfrentar a crise climática. As entrevistas foram feitas durante a oficina “Olhares Indígenas sobre as transformações nos territórios devido ao clima", realizada entre os dias 9 e 12 de setembro, em Brasília, como resultado de uma parceria entre o ISA, o Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (Iepé) e a Fundação Gaia Amazonas, no âmbito da Aliança Norte-Amazônica.
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Agentes Indígenas de Manejo Ambiental (AIMAs) do Rio Negro participam da oficina “Olhares Indígenas sobre as transformações nos territórios devido ao clima", em Brasília|Leonor Costa/ISA
O programa tem a apresentação de Claudia Wanano, coordenadora da rede Wayuri de comunicadores indígenas do Rio Negro, e conta com as participações de Milena Joaquim, indígena do povo Kuripako; Ronaldo Apolinário, do povo Baniwa; Damião Amaral Barbosa, do povo Yeba Masã; Hélio Gessem Monteiro Lopes, do povo Tukano e um dos diretores da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN); Aloísio Calbazar Filho, analista socioambiental do ISA; e Thaynah Gutierrez, da Rede de Adaptação Antirracista.
Ouça aqui!
Conhecimento ancestral e ciência contra a crise climática
Participantes durante a elaboração do calendário circular durante oficina de trabalho dos Agentes Indígenas de Manejo Ambiental (AIMAs)|Equipe ISA/Tiquié
Ao longo dessas duas décadas, os AIMAs vêm produzindo diários detalhados sobre o clima, a terra, a água, as roças e os ciclos da floresta, combinando observações tradicionais – como a leitura das constelações, o comportamento dos animais e das planta e o ciclo das águas – com o uso de cadernos, tablets e mapas. O trabalho é realizado em comunidades ao longo do Alto, Médio e Baixo Rio Negro, envolvendo povos Tukano, Baniwa, Dessana, Baré, Tuyuka, Koripako entre outros.
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Segundo Ronaldo Apolinário, muitas famílias perderam suas roças, cultivos e plantações|Leonor Costa/ISA
Esses registros revelam extremos climáticos, como secas prolongadas, incêndios em áreas de igapó e enchentes recordes, que têm provocado perdas de roças, mudanças na disponibilidade de peixes e riscos à segurança alimentar e à cultura dos povos indígenas.
Todas essas experiências foram compartilhadas pelos agentes do Rio Negro que participaram dos quatro dias de oficina, realizada em outubro, e também nas entrevistas ao Vozes do Clima.
“Isso (as mudanças no clima) afeta muito na questão de cultivo para abertura de nova roça e para trabalho da roça, principalmente o nosso sustento que vem através da roça, tanto para a produção de segurança alimentar, quanto para geração de renda. Esse ano impactou de 60 famílias que perderam suas roças, que perderam seus cultivos, como plantações de banana, abacaxi, cobiô, até as pimenteiras, que a gente come todo dia lá na nossa região", contou Ronaldo Apolinário, sobre os impactos das mudanças do clima em seu território.
“Alagaram as escolas, as que ficam mais perto do rio, e os professores ficaram com muita dificuldade de dar aula, de ensinar as crianças. Também as casas de algumas pessoas que alagaram, a família, os filhos não tinham para onde ir", lembrou Milena Joaquim, moradora da região do Alto Içana, em São Gabriel da Cachoeira.
O que esperar da COP30?
Os relatos dos AIMAs apontam uma constatação que precisa ficar cada vez mais nítida: indígenas, quilombolas, extrativistas, ribeirinhos e demais comunidades tradicionais são os que mais protegem os biomas e, por isso, devem ser os protagonistas das discussões e das políticas de combate à crise climática.
Thaynah Gutierrez, secretária-executiva da Rede por Adaptação Antirracista, em entrevista ao “Vozes do Clima", defendeu mudanças na elaboração das ações de adaptação pelo poder público.
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Thaynah Gutierrez considera importante fortalecer os espaços de construção e troca entre as comunidades tradicionais globais durante a COP30|Arquivo pessoal
“São mesmo os povos tradicionais, os povos originários, as comunidades negras que sempre estiveram naqueles territórios que vão conseguir dar soluções, que vão garantir nossa resiliência, nossa sobrevivência nos territórios. Justamente essas estratégias que precisam ser consideradas nas nossas abordagens de adaptação para as políticas públicas. A gente precisa mudar o eixo da política pública de adaptação para fazer ela partir do local e do território e assim subir por nível federal e que essas estratégias consigam ter recursos para isso", reforçou.
Em relação à COP30, Gutierrez espera que o evento traga experiências como as dos AIMAs para a centralidade dos debates. Para ela, a conferência da Amazônia precisa dar voz aos representantes de povos e comunidades tradicionais para que as ações aprovadas façam sentido para quem está nos territórios.
“A gente precisa fortalecer esses espaços de construção e troca entre as comunidades tradicionais globais e demonstrar que a gente pode, sim, ser protagonista na tomada de decisões. Porque historicamente a gente não era reconhecido, mas falta ainda esse lugar de protagonismo na tomada de decisão e acho que é para esse lugar que a gente vai percorrer na COP 30, tendo a presença massiva das comunidades tradicionais ali nos espaços das negociações e garantindo que a gente tenha essa visibilidade que nos é de direito", finalizou.
O que é o “Vozes do Clima”?
O boletim de áudio “Vozes do Clima” é uma realização do ISA, com produção da produtora de podcasts Bamm Mídia e apoio da Environmental Defense Fund (EDF) e propõe levar informações a povos e comunidades tradicionais sobre os temas relacionados à pauta climática. A identidade visual foi concebida pelas designers e ilustradoras indígenas Kath Matos e Wanessa Ribeiro. Além de ser distribuído via Whatsapp e Telegram, o programa também poderá ser ouvido nas plataformas de áudio Spotify, iHeartRadio, Amazon Music, Podcast Addict, Castbox e Deezer.
Este é o quinto episódio da segunda temporada de “Vozes do Clima”, que contará com um total de 12 edições e abordará os diversos debates sobre clima e a pauta socioambiental.
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Lideranças do Médio Rio Negro lançam PGTAs e reforçam luta pela homologação da Terra Indígena Jurubaxi-Téa
Planos de Gestão Territorial e Ambiental orientam a governança indígena e serão levados à COP30 como pauta prioritária para conclusão dos processos de demarcação
Em evento realizado no dia 4 de outubro, lideranças indígenas do Médio Rio Negro celebraram o lançamento dos Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTAs) das Terras Indígenas Jurubaxi-Téa e Uneiuxi, em Santa Isabel do Rio Negro (AM), reunindo representantes das duas terras indígenas e instituições parceiras.
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Os planos são frutos do trabalho conjunto de lideranças, jovens, homens e mulheres das comunidades dos territórios|Alexandre Produtor Audiovisual/Decom-Foirn
Durante o dia, as lideranças participaram também de uma oficina explicativa sobre o conteúdo dos PGTAs, num espaço em que puderam revisitar o processo de construção, tirar dúvidas e discutir os próximos passos para a implementação dos planos.
Os PGTAs são instrumentos previstos na Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI) e servem como guias elaborados pelos próprios povos para planejar o uso, proteger o território e orientar políticas públicas de acordo com suas realidades e modos de vida.
Os planos são frutos do trabalho conjunto de lideranças, jovens, homens e mulheres das comunidades dos dois territórios, em cooperação com a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), a Coordenadoria das Associações das Comunidades Indígenas do Médio e Baixo Rio Negro (Caimbrn) e da Associação das Comunidades Indígenas do Médio Rio Negro (Acimrn), com colaboração do Instituto Socioambiental (ISA) e Coordeadoria Regional Fundação Nacional dos Povos Insdígenas no Rio Negro (Funai/CR Rio Negro).
Lideranças e comunitários da região do Médio Rio Negro estiveram presentes no lançamento|Alexandre Produtor Audiovisual/Decom-Foirn
Presente na celebração, o presidente da Foirn, Dário Baniwa, reforçou a importância do documento como instrumento de autogestão e proteção dos territórios e destacou que o PGTA da TI Jurubaxi-Téa será apresentado na COP30 pela comitiva do Rio Negro, que tem como uma das principais pautas a reivindicação para a finalização do processo de demarcação da terra indígena que há décadas aguarda pelo reconhecimento oficial do território. “O PGTA é um instrumento de gestão e de autonomia. Ele mostra que os povos indígenas têm seus próprios modos de planejar o futuro e cuidar do território”, afirmou.
Para Carlinhos Neri, diretor de referência da Foirn no Médio Rio Negro, os planos expressam a visão das comunidades sobre o uso e o cuidado com seus territórios. “Eles consolidam as necessidades e os anseios das comunidades de forma planejada e articulada, e são ferramentas de reivindicação junto ao poder público e às instituições”.
Entre as lideranças locais, a fala de Adilson da Silva Joanico, da TI Jurubaxi-Téa e presidente da Acimrn, traduziu o sentimento coletivo: “É um trabalho que lutamos muito para realizar, e agora temos um documento físico nas mãos, que garante nossa voz e orienta os próximos passos com os governos municipal, estadual e federal.”
Da TI Uneiuxi, a liderança Eduardo Fonseca Castelo, do povo Nadëb, reforçou a importância simbólica e política do documento. “É o nosso plano de governo. Nossos direitos e nosso futuro estão registrados aí, dando mais uma segurança para nós. E registrado na nossa língua para que ela não se perca”, disse.
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Carlos Neri faz entrega simbólica do PGTA Uneiuxi à liderança Nadëb Eduardo Fonseca Castelo|Alexandre Produtor Audiovisual/Decom-Foirn
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Dário Baniwa, presidente da Foirn, faz entrega ao presidente da Acimrn, Adilson da Silva Joanico|Alexandre Produtor Audiovisual/Decom-Foirn
O lançamento faz parte do conjunto de 12 PGTAs apoiados pelo ISA em parceria com a Foirn, coordenadorias e associações de base. A antropóloga Carla Dias, coordenadora do Programa Rio Negro, destacou o caráter participativo do processo e o valor do documento como instrumento de fortalecimento da governança dos territórios pelos próprios povos indígenas. Segundo ela, “a ferramenta pode orientar políticas públicas adequadas à realidade local, apoiar as associações na elaboração de projetos e captação de recursos, além de servir para atualizar acordos intercomunitários”.
Os 12 PGTAs da região do Alto e Médio Rio Negro podem ser acessados e obtidos na íntegra no acervo do ISA e no site da FOIRN.
Todo o processo de elaboração dos PGTAs das Terras Indígenas Jurubaxi-Téa e Uneiuxi até o lançamento contou com o apoio financeiro da Aliança pelo Clima, da Rainforest Foundation Norway (RFN), da Embaixada da Noruega e da Fundação Gordon & Betty Moore, instituições parceiras do ISA que contribuem para tornar realidade o fortalecimento da gestão territorial e ambiental dos povos indígenas do Rio Negro.
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Professores recebem formação para ampliar acesso ao PNAE em escolas indígenas do Rio Negro
Implementação do Programa Nacional de Alimentação Escolar enfrenta grandes desafios logísticos e estruturais diante da extensão territorial, conectividade e acesso à informação
Cerca de 60 professores da rede municipal de São Gabriel da Cachoeira (AM), além de nutricionistas e gestores, participaram entre os dias 16 e 19 de setembro da Oficina de Multiplicadores do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e demais políticas públicas alimentares no Território Rio Negro. Realizada no Telecentro do Instituto Socioambiental (ISA), a atividade teve como objetivo formar os professores como facilitadores na elaboração de projetos para o PNAE em escolas indígenas de comunidades onde o programa ainda não atingiu.
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Cerca de 60 pessoas, entre professores, gestores e parceiros, participaram da Oficina de Multiplicadores do PNAE|Juny Venceslau Cardoso
O PNAE é uma das principais políticas públicas voltadas à segurança alimentar e nutricional de estudantes da rede pública. No Rio Negro, sua implementação enfrenta grandes desafios logísticos e estruturais diante da extensão territorial, conectividade e acesso a informação.
Somente em São Gabriel da Cachoeira, há 259 escolas da rede pública municipal, das quais 251 estão em comunidades indígenas, onde a gestão cotidiana é feita pelos próprios professores. Neste universo, o programa chegou a 53 comunidades em 2024 e, em 2025, ampliou seu alcance para 66, o que torna a oficina ainda mais relevante para fortalecer e ampliar a política na região, valorizando a cultura alimentar dos povos e gerando renda para as famílias.
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Mapa mostra onde estão localizadas as escolas indígenas municipais e a presença do PNAE na região|Renata Alves/ISA
“Por isso não convidamos os agricultores, e sim os professores. Porque é o professor quem recebe a merenda, que registra no relatório a entrega dos agricultores”, explica Andreia Damasceno, assessora técnica do ISA responsável pela atividade. Segundo ela, os convidados vieram justamente de comunidades distantes, nas calhas dos rios, onde a equipe de assessoria dificilmente chega com frequência, em uma estratégia para ampliar o acesso ao programa.
Considerando esse contexto, a programação combinou momentos de exposição e prática, onde os professores e gestores puderam, com apoio dos facilitadores, compreender as normativas, ler e preencher coletivamente as etapas do processo de venda ao PNAE, além de mapear os alimentos disponíveis em cada comunidade ao longo do ano.
O nutricionista Ricardo Colares, do Centro Colaborador em Alimentação e Nutrição Escolar (Cecane), ligado à Universidade Federal do Amazonas (Ufam), foi um dos parceiros e facilitadores da oficina. Ele explica que a efetivação do programa em territórios remotos, como o Rio Negro, representa um passo essencial no resgate da cultura alimentar indígena.
“Por muitos anos, as escolas receberam alimentos industrializados, que descaracterizaram os hábitos alimentares locais. Hoje, o PNAE permite valorizar e reintroduzir alimentos tradicionais, como galinha caipira, peixe, goma, farinha, beiju e pé de moleque, substituindo enlatados por uma alimentação mais saudável”, ressalta.
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Ricardo Colares, nutricionista do Centro Colaborador em Alimentação e Nutrição Escolar (CECANE/UFAM) também falou durante a oficia|Ana Letícia Pastore/ISA
No decorrer da programação, Ricardo explicou quais alimentos são permitidos no PNAE, conforme a Nota Técnica nº 03/2020 – 6ª CCR, esclareceu as diferenças entre Chamada Pública dos PCTs e Chamada Pública Geral do PNAE e apoiou o mapeamento da produção agrícola para fornecimento ao programa. Sua contribuição trouxe elementos técnicos que ajudaram a aproximar a política da realidade das comunidades locais.
“Depois de várias reuniões no Ministério Público Federal, com órgãos da Vigilância Sanitária, do MAPA [Ministério da Agricultura e Pecuária], da [Fundação Nacional dos Povos Indígenas] Funai e outros parceiros, foi elaborada a nota técnica que facilitou o acesso do agricultor. A partir dela, não é mais necessário que um alimento passe por inspeção e protocolo sanitário, pois se reconhece que os povos indígenas produzem e consomem seus alimentos de acordo com métodos tradicionais praticados há milhares de anos”, afirma.
Segundo Andréia, a dinâmica permitiu aproximar o planejamento da realidade da produção local e das especificidades culturais da alimentação indígena, uma vez que envolveu a participação de órgãos e técnicos responsáveis pela elaboração dos editais de chamamento no município, reforçando o diálogo entre as partes envolvidas e garantindo que os processos possam ser mais adequados à disponibilidade de alimentos em cada região.
Nesta perspectiva, a nutricionista Alexandra Maria Melgueiro Delia, responsável técnica pela alimentação escolar indígena em São Gabriel da Cachoeira, avalia que a oficina representa um avanço fundamental na execução da política.
“O município é de grande extensão territorial, com comunidades de difícil acesso, onde muitas vezes não conseguimos chegar. Trazer os professores para cá e capacitá-los para elaborarem os projetos junto com os agricultores é de grande relevância. A alimentação escolar só tende a ganhar, porque gera renda no município, valoriza a cultura e garante uma oferta de comida adequada, saudável e nutritiva para as nossas crianças”, destaca.
Professor em Vista Alegre, no médio Rio Içana, João Cláudio conta que, após a formação, vai poder orientar as famílias da sua região, que muitas vezes não conseguem acessar o programa devido à burocracia e à distância da cidade para organizar a documentação necessária.
O PNAE, relata o professor, ainda não chegou à escola da comunidade e os próprios pais, para complementar a merenda escolar, costumam fazer o “ajuri”, ou seja, se juntam para entregar frutos e outros produtos das roças e quintais de forma voluntária e gratuita. Para ele, a capacitação representa a possibilidade de planejar melhor a produção local, fortalecer a participação das famílias e fazer com que os alunos possam consumir alimentos regionais no lugar dos industrializados.
“Eu fiquei satisfeito, porque já vou poder ajudar os familiares lá, os pais dos alunos principalmente, para entender qual é a necessidade para nossas regiões, orientar e eles também poderem receber por isso”, avalia o professor.
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Professor e gestor da escola na comunidade de Maturacá, na TI Yanomami, João Vicente Vilela, ressalta a importância do PNAE|Vanessa Fernandes/ISA
O professor João Vicente Vilela, do povo Yanomami, é o responsável pela gestão da Escola Municipal Indígena Horoinã, na comunidade de Maturacá, na Terra Indígena Yanomami no Amazonas, e conta que o programa era conhecido pelo nome, mas sem detalhamento de como realmente funcionava.
A partir da oficina, ele conta que pôde compreender as normativas e o direcionamento do programa, o que lhe permitirá levar informações concretas para sua comunidade e incentivar os agricultores a apoiarem as escolas.
“O PNAE é importante para a gente, porque ele faz um complemento, ele valoriza as merendas regionais voltada para a nossa realidade, para não só se focar na merenda industrial”, completa.
A oficina é uma ação que integra o projeto de processos de estruturação, governança, conexão com o mercado e incidência política para a promoção das cadeias de valor de turismo de base comunitária e de produtos da sociobiodiversidade de comunidades indígenas no Rio Negro, realizado pelo ISA com apoio financeiro do BNDES e Fundo Amazônia.
A atividade contou com a parceria da Secretaria Municipal de Educação e Educação Escolar Indígena (Semedi) e do Cecane/Ufam, além do apoio da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável do Estado do Amazonas (Idam), Secretaria Municipal do Interior, Produção e Abastecimento (Seminpa), Funai e ICMBio.
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Pré-COP Parente: lideranças indígenas do Rio Negro apresentam propostas climáticas e territoriais rumo à COP30
Contribuições seguiram para a etapa estadual, em Manaus, e integrarão o documento único que os povos indígenas levarão como contribuição coletiva à COP30
Nos dias 16 e 17 de setembro, a Casa do Saber da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), em São Gabriel da Cachoeira (AM), recebeu a etapa Rio Negro da Pré-COP Parente, encontro que reuniu cerca de 100 lideranças indígenas Rio Negro. Com a presença da ministra dos Povos Indígenas (MPI), Sonia Guajajara, o seminário abriu espaço para debates sobre territórios, políticas climáticas e a participação indígena na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), que será realizada em novembro, em Belém.
O ciclo é realizado em parceria com a Articulação das Organizações e Povos Indígenas do Amazonas (Apiam), a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e o MPI.
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Cerca de 100 lideranças indígenas do Rio Negro participaram da etapa preparatório para a COP30 em São Garbiel da Cachoeira|Vanessa Fernandes/ISA
Durante dois dias de programação, foram discutidos temas como ameaças e defesa dos territórios, crise climática, créditos de carbono, fundos de financiamento climático, sociobioeconomia e sustentabilidade. As lideranças também aprofundaram reflexões sobre o papel das ciências indígenas na mitigação e adaptação às mudanças climáticas e sobre a necessidade de ampliar a presença dos povos indígenas nos espaços de decisão em nível estadual, nacional e global.
Dario Baniwa, presidente da Foirn, apresentou um panorama sobre o contexto territorial do Rio Negro, destacando avanços conquistados pelas comunidades, como as iniciativas de turismo de base comunitária, a Casa de Artesanato Wariró – fruto da organização das mulheres indígenas –, os Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTAs) e a criação do Fundo Indígena do Rio Negro (FIRN), mecanismo voltado para apoiar a implementação desses planos.
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Dário Baniwa, presidente da Foirn|José Paulo/Rede Wayuri
Ele também alertou para os desafios que ameaçam a região, como o garimpo ilegal, o tráfico de drogas, a morosidade na demarcação de terras e os impactos das mudanças climáticas. Dário destacou a importância do evento como “um momento de diálogo, escuta e de trazer nossas demandas, para que as lideranças não apenas levem as discussões à COP, mas também retornem aos territórios e comunidades, compartilhando as informações com os parentes que ficaram”.
O coordenador-geral da Coiab, Toya Manchineri, chamou atenção para os impactos de propostas legislativas que fragilizam os direitos indígenas e colocam em risco a proteção territorial. Ele citou projetos como o chamado “PL da devastação” e o PDL 717/2024, que dificultam ainda mais os processos de demarcação de terras, reforçando a necessidade de fortalecer a mobilização e a articulação política para garantir a integridade dos territórios e os direitos constitucionais dos povos indígenas.
A ministra Sonia Guajajara, em sua apresentação, destacou o caráter preparatório da Pré-COP Parente e reforçou que o ciclo de encontros, que tem percorrido todos os biomas, tem justamente o objetivo de escutar as lideranças, reunir propostas e fortalecer a presença indígena na COP30. “É uma honra voltar aqui no Rio Negro e neste momento enquanto ministra de Estado dos Povos Indígenas trazendo esse tema da Conferência do Clima. Um tema que é tão real no dia a dia, nas nossas comunidades, nossos povos que já sentem esse impacto das mudanças climáticas”, afirmou a ministra.
Ela ressaltou que a crise climática afeta de forma desigual diferentes regiões e povos, mas que todos já percebem os efeitos do aumento da temperatura e das alterações nos regimes de chuva, o que torna urgente a construção de respostas conjuntas.
A ministra também reafirmou o compromisso do governo em garantir paridade na participação nos espaços de discussão e decisão, defendendo o protagonismo indígena e a paridade na participação entre homens, mulheres, jovens e anciãos. Segundo ela, assegurar equilíbrio na composição das mesas e painéis é essencial para que diferentes visões e cosmovisões indígenas estejam representadas, fortalecendo a contribuição dos povos na construção de soluções para a crise climática.
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Ministra Sonia Guajajara reafirmou o compromisso do Governo em garantir a participação e o protagonismo indígena na COP30|Vanessa Fernandes/ISA
Carta de Direitos Climático das Juventudes do Rio Negro
Um dos momentos simbólicos do encontro foi a participação da juventude indígena. A coordenadora do Departamento de Adolescentes e Jovens da Foirn Jucimeyre Garcia fez a entrega simbólica da Carta de Direitos Climáticos das Juventudes do Rio Negro à ministra Sonia Guajajara. Construído coletivamente, o documento elenca dez propostas prioritárias para efetivar os direitos climáticos nos territórios da região e ainda passa por ajustes finais antes da entrega oficial.
A carta é fruto de encontros e grupos de estudos sobre justiça climática e racismo ambiental conduzidos em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA) e reforça a importância da juventude indígena como protagonista nas lutas por políticas climáticas mais justas e inclusivas.
Num segundo momento, reunidos em grupos de trabalho, as lideranças debateram as demandas territoriais dentro dos eixos prioritários de Direitos Humanos, Ambientais e Territoriais; Fundos de Financiamento Climático; Sociobioeconomia e Sustentabilidade; e Participação Indígena na COP30.
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Jucimeiry Garcia, coordenadora do Dajirn, fez entrega simbólica da Carta de Direitos Climáticos das Juventudes do Rio Negro|Vanessa Fernandes/ISA
As discussões deram origem a uma carta que reafirma os territórios indígenas como resposta concreta à crise climática. “Por milênios, os povos indígenas do Rio Negro vêm manejando a floresta com sabedoria, mantendo a biodiversidade, cuidando dos rios e garantindo o equilíbrio ambiental essencial para toda a humanidade”, destaca o documento.
Entre as propostas apresentadas, as lideranças defendem que a demarcação das Terras Indígenas seja tratada como uma estratégia estruturante de mitigação e adaptação climática. Destacam a necessidade de que o governo brasileiro inclua metas claras e prazos definidos no compromisso climático nacional (NDC) e que essa agenda seja reconhecida como essencial para a integridade dos ecossistemas e da vida no planeta. Também, reivindicaram que a proteção das terras já demarcadas seja reforçada com maior presença do Estado para fiscalização e monitoramento, especialmente nas áreas de fronteira, diante das pressões que ameaçam a região, como narcotráfico e garimpo ilegal.
Outro ponto central foi a garantia de financiamento direto às organizações indígenas, sem a necessidade de intermediários e de forma simplificada e desburocratizada, facilitando o acesso pelas associações de base. A reivindicação é que de 20% a 50% dos recursos de fundos climáticos, nacionais e internacionais, como o Fundo Amazônia e o TFFF (Tropical Forests Forever Facility) – proposto pelo Brasil para recompensar países que conservam suas florestas tropicais – sejam destinados a iniciativas protagonizadas pelos povos indígenas. A valorização de mecanismos próprios de gestão, como o Fundo Indígena do Rio Negro (FIRN), além de salvaguardas que assegurem que os recursos cheguem de forma transparente e eficiente até as comunidades, também foram pontuados.
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Jovens do Dajirn posam com a ministra Sonia Guajajara após entrega da Carta de Direitos Climáticos|José Paulo/Rede Wayuri
As lideranças também reforçaram a importância de fortalecer os Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTAs) já existentes e de criar políticas públicas específicas para sua implementação. A revogação de leis e projetos que fragilizam os direitos constitucionais indígenas e a proibição da mineração em terras indígenas também foram medidas pontuadas para garantir a integridade cultural e ambiental dos territórios.
A carta final ainda destacou a necessidade de reconhecer as ciências e tecnologias indígenas como parte das soluções globais para a crise climática, defendendo que seus conhecimentos sejam tratados em igualdade com as tecnologias convencionais, com incentivo a pesquisas conduzidas por indígenas, valorização das medicinas tradicionais e fortalecimento de espaços como as Casas do Saber, que promovem a transmissão intergeracional de saberes.
Outro eixo relevante foi o das economias sustentáveis e da soberania alimentar, com propostas de investimentos no fortalecimento da agricultura tradicional, do manejo comunitário e de cadeias produtivas como a pesca, o artesanato e o turismo de base comunitária.
A educação indígena diferenciada também entrou como parte da agenda climática como política estratégica para a justiça social e climática, com escolas e universidades indígenas fortalecidas, currículos próprios, bilíngues e adequados à realidade de cada povo. Além disso, destacaram a importância da formação continuada de professores e da valorização das línguas indígenas como forma de preservar conhecimentos ancestrais.
Por fim, o documento reafirma a urgência de ampliar a representação indígena nos espaços de decisão internacionais, garantindo a presença de mulheres, jovens e anciãos e criando um comitê próprio para monitorar e incidir sobre as decisões da COP30.
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