Apesar das comemorações, número de homologações abaixo do esperado frustra movimento indígena
Reportagem atualizada às 14h47
Nesta quinta-feira (18/04), o governo Lula deu sequência a processos de demarcação de Terras Indígenas (TIs) com a homologação de duas áreas pela Presidência. As TIs homologadas são: Aldeia Velha, do povo Pataxó, em Porto Seguro (BA); e Cacique Fontoura, do povo Iny Karajá, em Lagoa da Confusão (TO), Luciara (MT) e São Félix do Araguaia (MT). Somadas, as áreas representam 34.070 hectares.
Com os atos, que foram publicados nesta sexta-feira (19/04) no Diário Oficial da União (DOU), o Brasil passa a contar com 528 Terras Indígenas homologadas e reservadas, chegando a um total de 108.075.186 de hectares.
Veja os decretos: Aldeia Velha e Cacique Fontoura
Saiba mais sobre o processo de demarcação de TIs aqui.
As demarcações foram oficializadas pelo presidente Lula durante o encerramento da Reunião Ordinária do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), órgão colegiado e consultivo que tem por objetivo articular, fornecer apoio e propor a política indigenista oficial.
O evento em Brasília marcou a retomada do Conselho, composto por 64 conselheiros titulares, sendo 30 representantes do Poder Executivo, 30 integrantes dos povos e organizações indígenas e quatro representantes de entidades indigenistas. O Instituto Socioambiental (ISA) foi uma das organizações indicadas para compor o órgão.
Em 2015, o CNPI foi instaurado via decreto (nº 8.593) pela ex-presidenta Dilma Rousseff. No entanto, o Conselho foi extinto em 2019, durante o primeiro ano da gestão passada.
Mapa de localização das duas Terras Indígenas (clique nos pontos em destaque):
Segundo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a decisão de homologar apenas duas Terras Indígenas, das seis que estavam sendo divulgadas, veio para evitar problemas futuros, como judicialização dos processos, e de um pedido de governadores para atrasar a assinatura, com objetivo de realizar sem conflitos a desocupação das áreas. “A gente não quer briga, nem prejudicar o indígena e também não quer prejudicar um trabalhador rural”, justificou.
As outras quatro Terras Indígenas que estavam cotadas para homologação eram: Xukuru-Kariri, do povo Xukuru-Kariri, em Palmeira dos Índios (AL); Morro dos Cavalos, dos povos Guarani Mbya e Guarani Nhandeva, em Palhoça (SC); Toldo Imbu, do povo Kaingang, em Abelardo Luz (SC); e Potiguara de Monte-Mor , do povo Potiguara, em Marcação (PB) e Rio Tinto (PB). Além dessas, outras 247 áreas estão em diferentes etapas de demarcação, aguardando sua finalização, somando 251 Terras Indígenas com processos ainda pendentes.
Saiba mais sobre a situação de demarcação das Terras Indígenas no Brasil aqui.
“Quero que vocês saibam que essas Terras já estão prontas. O que nós não queremos é prometer para vocês uma coisa hoje e amanhã você ler no jornal que a Justiça tomou uma decisão contrária. A frustração seria maior”, completou Lula.
“Nós vamos conversar com as pessoas que estão nessas Terras e eu prometo a vocês que nós vamos assinar essas Terras, para que a gente possa dar um passo ainda mais importante”, prometeu.
Na ocasião, também estiveram presentes Sonia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas; Cida Gonçalves, ministra da Mulher; Dinaman Tuxá, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib); Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança Climática; Jorge Messias, ministro da Advocacia-Geral da União (AGU); Rui Costa, ministro da Casa Civil; Paulo Teixeira, ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar do Brasil; e Braulina Baniwa, da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga).
Às 20h30 de Brasília, a ministra Sonia Guajajara fez o primeiro pronunciamento em rede nacional pela ocasião do Dia dos Povos Indígenas, neste 19 de abril.
Demarcações são comemoradas, mas ainda há muito a ser feito
Os atos desta quinta vêm sete meses após as últimas homologações e depois de o presidente Lula sinalizar, em sua “Mensagem ao Congresso Nacional”, que avançaria nas demarcações de terras. No entanto, na avaliação de organizações indígenas e indigenistas, ainda há muito a ser feito.
Durante a cerimônia, Sonia Guajajara ressaltou a importância dos anúncios, mas ponderou: “Temos ainda um passivo muito grande enquanto Estado brasileiro para que a seja cumprido o direito constitucional do território tradicional aos povos indígenas”.
"Pra gente, é uma vitória imensa. É uma vitória para nós, enquanto povo Pataxó, mas é uma vitória também para todos os povos indígenas, que vêm lutando pela demarcação de suas terras. Foi [homologada] a nossa terra, [mas] agora a gente também tem que estar junto para que aconteça a luta com a demarcação de [terras de] outros parentes", comemorou Angelo Pataxó, liderança da Terra Indígena Aldeia Velha, na Bahia.
Segundo a liderança Pataxó, agora se inicia uma etapa desafiadora, que é a desintrusão e posterior gestão do território. "Mas temos muito o que agradecer ao nosso povo, a cada pessoa da comunidade, que desde que iniciou a retomada, vem lutando. A luta continua", finalizou.
Em entrevista ao ISA, Vanessa Fe Ha, coordenadora de comunicação da Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (ArpinSul), destacou que a decisão é importante, pois não há futuro dos povos indígenas sem a demarcação. Felicitando os povos das TIs homologadas, ela ressalta que a expectativa era ver o mesmo desfecho para as terras da região Sul.
“A gente sabe a luta que é para nós, povos indígenas, termos o nosso território demarcado, mas a gente também pede a demarcação das Terras Indígenas que ficam na nossa região, como é o caso da Terra Indígena Morro dos Cavalos, que só está esperando a assinatura do presidente Lula”, afirmou.
A TI Morro dos Cavalos foi uma das terras incluídas na campanha #DemarcaYvyrupa, relançada essa semana pelas lideranças do povo Guarani para reivindicar a homologação de quatro TIs e a declaração de outras oito terras sem pendências que, segundo a Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), precisariam apenas de uma assinatura para avançar no processo demarcatório.
Vera Rodrigo Mariano, assessor jurídico da CGY, vê o anúncio com muita frustração, uma vez que lideranças dessas terras chegaram a ser convidadas para a cerimônia de anúncio. “A gente fica sempre com expectativas boas de ver a regularização dos nossos territórios se encaminharem. E quando chega perto de concretizar, não sai como o esperado”, apontou.
“A gente percebe que o presidente Lula cede muitas vezes a pressões políticas do Congresso e do próprio Judiciário”, complementou. “O direito dos povos indígenas, o direito fundamental ao território se coloca em cheque, como uma moeda de negociações e uma pauta política de medir forças no cenário político Nacional”, criticou o assessor.
A Apib, em suas redes sociais, também cobrou o cumprimento dos compromissos firmados pelo presidente Lula durante sua campanha ao Planalto.
Para Tiago Moreira dos Santos, antropólogo no ISA, as medidas devem ser comemoradas, mas lembra que há ainda 251 processos de demarcação não finalizados, em diversas etapas. “As homologações do governo Lula estão na média das duas últimas décadas, contudo, devido ao grande passivo que existe no reconhecimento de TIs, principalmente fora da Amazônia Legal, nesse ritmo seria necessário cerca de 30 anos para termos um avanço satisfatório”, avaliou.
Apesar do flagrante histórico de conflitos envolvendo demarcações, nenhuma TI do povo Guarani Kaiowá em Mato Grosso do Sul foi incluída na lista. Num discurso recente,o chefe do Executivo, em visita ao Estado na última sexta-feira (12/4), propôs ao governador Eduardo Riedel (PSDB) a compra de uma terra para “salvar” os Guarani Kaiowá – declaração que gerou protestos de organizações indígenas e indigenistas.
Conheça mais sobre as Terras Indígenas demarcadas:
Terra Indígena Aldeia Velha, em Porto Seguro (BA)
Tradicionalmente ocupada pelo povo Pataxó, a Terra Indígena Aldeia Velha está localizada em Porto Seguro, ao sul do Estado da Bahia, com parte da área contígua ao núcleo urbano do distrito de Arraial d'Ajuda. Atualmente, 1465 pessoas vivem na Terra Indígena, segundo o Censo 2022.
Em 2008, os estudos de identificação foram aprovados, delimitando uma área de cerca de 2000 hectares, em sobreposição com o Museu Aberto do Descobrimento (Made). A declaração da Terra Indígena pelo MJ veio em 2010. Há mais de duas décadas o povo Pataxó espera pelo desfecho do processo de homologação.
Além do contínuo esbulho sofrido pelo povo Pataxó, conforme apontam registros, atualmente a região segue sendo alvo de disputas fundiárias.
Terra Indígena Cacique Fontoura, em Lagoa da Confusão (TO), Luciara (MT) e São Félix do Araguaia (MT)
A Terra Indigena Cacique Fontoura está localizada entre os municípios de Luciara e São Félix do Araguaia (MT), bioma Cerrado, na Amazônia Legal. Declarada com 32 mil hectares, a área é ocupada pelo povo Iny Karajá, com uma população de 489 habitantes.
Os Iny Karajá em Cacique Fontoura têm o Rio Araguaia como um eixo de referência mitológica e social. O território é marcado por uma extensa faixa do Vale do Rio Araguaia, a Ilha do Bananal, que é a maior ilha fluvial do mundo, com cerca de dois milhões de hectares.
A TI foi uma das que teve o seu processo paralisado durante o Governo Bolsonaro, quando o seu processo de declaração foi devolvido à Funai pelo ex-ministro Sérgio Moro, em 2019.