Departamento de Mulheres Indígenas do Rio Negro (DMIRN-FOIRN) completa 20 anos. Comemorações ocorreram durante a III Marcha das Mulheres Indígenas, em Brasília, com lançamento de publicação, documentário e site
Ohpenkõ di´a kahnã numia é como se escreve mulheres indígenas do rio Negro ou rionegrinas, em Tukano, uma das línguas faladas nessa região da Amazônia. A frase está no canto preparado por Odimara Ferraz Matos, povo Tukano, entoado durante a III Marcha das Mulheres Indígenas, que aconteceu em Brasília, de 11 a 13 de setembro, com organização da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga).
Com vestimentas tradicionais, urucum e jenipapo, elas divulgaram sua luta durante a marcha na Esplanada dos Ministérios, junto a outras aproximadamente 8 mil mulheres do país todo. Ao som de maracás, fizeram barulho e buscaram espaço nos gabinetes oficiais, articulando por políticas públicas que beneficiem as mulheres em seus territórios.
“Esse canto mostra que a mulher sempre esteve no movimento indígena, mas sua história nem sempre apareceu”, diz Odimara.
Junto dela estavam lideranças como Elizângela Baré, Dadá Baniwa, Cleocimara Reis (povo Piratapuya), Larissa Duarte (povo Tukano), Almerinda Ramos (povo Tariano) e Janete Alves (povo Desana). A presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), Joênia Wapichana, também esteve ao lado das mulheres do Rio Negro durante a marcha.
Para as rionegrinas, é um momento especial para falar dessa história: no encontro foram comemorados os 20 Anos do Departamento das Mulheres Indígenas da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (DMIRN-FOIRN).
Foram lançados o documentário “Rionegrinas” e o livro “As mães do DMIRN – Conquistas e Desafios”, que trazem narrativas das lideranças do departamento e resgatam a memória para inspirar o futuro. Também houve o lançamento do site do departamento, instrumento de comunicação e fortalecimento. Conheça em https://dmirn.foirn.org.br.
Coordenadora do DMIRN, Cleocimara Reis fala da valorização dessa história. “Essa história é inspiradora não só para o rio Negro. Mulheres indígenas de outras regiões estão nos propondo intercâmbios para conhecer o DMIRN e para estruturar seus próprios departamentos”, disse em São Gabriel da Cachoeira, ao retornar de Brasília.
A comitiva que foi a Brasília era formada por cerca de 40 mulheres de povos como Baré, Tukano, Baniwa, Yanomami, Piratapuia, Wanano, Desana, Tuyuka, entre outros. Povos considerados de recente contato, os Hudp´däh e Nadeb também contaram com representantes na marcha.
Entre as integrantes estavam três comunicadoras da Rede Wayuri: Cláudia Ferraz, povo Wanano, Suellen Samanta, povo Baré, e Deise Alencar, povo Tukano. “Foi muito especial participar desse momento e mostrar o histórico do DMIRN, a caminhada e o avanço até hoje. Essa caminhada é inspiradora e é necessário termos um olhar diferenciado para a história dessas mulheres, conhecendo, reconhecendo e dando visibilidade”, diz Suellen Samanta.
Veja a cobertura no Instagram da Rede Wayuri:
Escute o programa especial sobre a III Marcha das Mulheres no podcast Wayuri, produzido por Cláudia Wanano:
“Rionegrinas”
Produzido pelo ISA em parceria com o DMIRN e FOIRN, o documentário “Rionegrinas” foi lançado no dia 12, no Centro de Convivência dos Povos Indígenas da UnB (Maloca), em Brasília. Na plateia, mulheres indígenas do rio Negro, mas também de outras regiões, como as Kayapó e Waiãpi e, ainda, estudantes indígenas da UnB. A artista e ativista Daiara Tukano, nascida na região do alto rio Negro, participou da sessão e trouxe a tradição indígena para falar da mulher na narrativa do surgimento do mundo.
A direção e o roteiro são da documentarista Fernanda Ligabue e da articuladora de políticas socioambientais do ISA, Juliana Radler, com colaboração de Dadá Baniwa, Carla Dias, Dulce Morais e Ana Amélia Hamdan. O filme conta, por meio de depoimentos das mulheres indígenas, a luta por espaço, território, renda e sustentabilidade. Desde as roças até as universidades, desde a casa-território até os cargos públicos.
O DMIRN tem uma coordenadora e cinco articuladoras regionais que possibilitam um diálogo com o território indígena do rio Negro.
Na região, vivem povos de 23 etnias em cerca de 750 sítios e comunidades nos municípios de São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos (AM).
A coordenação é de responsabilidade de Cleocimara Reis e as articuladoras são: Belmira Melgueiro, Baré; Madalena Fontes Olímpio, Baniwa; Odimara Ferraz Matos, Tukano; Maria das Dores Azevedo Barbosa, Tariano; e Victoria Campos, Tariano.
Entre as pautas prioritárias do DMIRN estão equidade de gênero, apoio às associações de mulheres indígenas, geração de renda e sustentabilidade, fortalecimento de conhecimentos e saúde, medicina indígena e sistema agrícola tradicional, enfrentamento aos impactos da emergência climática e direitos das mulheres.
Antes de se estruturar como departamento, muitas trilhas foram percorridas, como relata Rosi Waikhon. Ela relembra que o presidente da FOIRN à época, Braz França, do povo Baré, indicou que elas precisavam se organizar no papel. E assim foram trabalhando até criar o DMIRN, depois a loja Wariró, hoje a casa do artesão e da artesã indígena do rio Negro, que não só vende produtos, como fortalece a cultura.
Em 2020, a pandemia da Covid-19 atingiu fortemente a região do rio Negro. As coordenadoras do DMIRN à época, Elizângela da Silva, do povo Baré, e Janete Alves, povo Desana, articularam apoios e parcerias para ações de proteção e saúde. Foi criada a Campanha 'Rio Negro, Nós Cuidamos!', que levou ajuda humanitária para dentro do território indígena.
Entre outras mulheres, o documentário tem a participação da coordenadora da Rede Wayuri, Cláudia Wanano, trazendo a importância da comunicação para e feita pelas indígenas. A Ex-coordenadora do DMIRN, Dadá Baniwa, que hoje está à frente da Coordenação Regional Rio Negro da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai – CR Rio Negro) fala no filme sobre o fortalecimento da presença da mulher indígena no espaço político, citando a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, a presidente da FUNAI, Joênia Wapichana, e a deputada federal Célia Xacriabá. Todas estavam presentes na Marcha.
A antropóloga Francy Baniwa reflete sobre a conquista dos espaços nas universidades e desafios que permanecem. A liderança Edneia Teles, povo Arapaso, aponta para o futuro e fala da importância do registro da memória do DMIRN para as próximas gerações.
O filme será lançado também em Manaus e São Gabriel da Cachoeira, mas as datas ainda não estão confirmadas. Confira o trailer:
“Mães do DMIRN”
O livro “As Mães do DMIRN – Conquistas e Desafios” também traz depoimentos das mulheres indígenas. A escrita foi conduzida por Elizângela da Silva, povo Baré, ex-coordenadora do DMIRN, comunicadora e liderança, numa construção conjunta.
“Quando comecei a escrever é como se fosse uma mulher parindo, uma mulher grávida. As mulheres contavam: lá naquele início nós éramos tratadas assim e nossas estratégias eram essas. Nós procurávamos mais diálogo e parcerias para dizer de nossa importância. A nossa tradição é muito forte, é patriarcal e, na época, os homens eram machistas e diziam que nossa participação estava fora do contexto ou do estatuto. Mas a gente criava outras estratégias e assim foram construindo”, relata Elizângela Baré.
Ela revela que uma das estratégias das mulheres foi fortalecer a geração de renda por meio do artesanato, conquistando outros espaços de luta por saúde, educação e formação. A publicação tem o apoio do Observatório da Violência de Gênero no Amazonas, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), com a professora Flávia Melo da Cunha, e da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), com o professor José Miguel Nieto Olivar.