Manchetes Socioambientais
As notícias mais relevantes para você formar sua opinião sobre a pauta socioambiental
O trabalho do ISA no monitoramento de "pressões e ameaças" parte do entendimento de que "pressão" é um processo de degradação ambiental (desmatamento, roubo de madeireira, garimpos, incêndios florestais etc) que ocorre no interior de uma área legalmente protegida, como Terra Indígena, Território Quilombola e Unidade de Conservação, como Parques e Florestas Nacionais, levando a perdas de ativos e serviços socioambientais. Ou seja, "pressão" é um processo que pode levar à desestabilização legal e ambiental de determinada área protegida. Já "ameaça", por sua vez, é a existência de risco iminente de ocorrer alguma degradação ambiental no interior de uma área protegida.
Tomadas cumulativamente, as pressões e ameaças podem gerar impactos socioambientais negativos de magnitude e alcance suficientes para desencadear o colapso no funcionamento dos ecossistemas e dos modos de vida das populações locais - e impactos negativos nas cidades. Os povos indígenas e populações tradicionais, como comunidades quilombolas e ribeirinhas, são diretamente atingidos pelas pressões e ameaças por terem seus territórios invadidos, suas florestas desmatadas e seus rios desviados e contaminados.
Aqui no ISA, o trabalho de monitoramento das pressões e ameaças é feito por pesquisadores especializados em antropologia, direito socioambiental, modelagem de uso da terra e avaliação de políticas públicas. A equipe diretamente responsável pelo monitoramento de áreas protegidas do ISA atua na conexão entre pesquisadores, formuladores de políticas públicas e tomadores de decisão. As áreas de atuação desse time abrangem o desenvolvimento de pesquisas científicas e aplicações em sistemas de informação geográfica e ferramentas de monitoramento da situação jurídica, demográfica e projetos governamentais que impactam as áreas protegidas.
O monitoramento de áreas protegidas do ISA possui conhecimento acumulado no monitoramento de pressões e ameaças desde a década de 1980 como um dos primeiros programas da sociedade civil no Brasil a construir uma plataforma organizada de sistemas de informação socioambiental, antes mesmo que setores governamentais. Esse trabalho iniciou-se no antigo Centro Ecumênico de Documentação e Informação (Cedi), em 1983, com o monitoramento de Terras Indígenas no Brasil. Em 1992, ainda no Cedi, foi iniciado o monitoramento das Unidades de Conservação na Amazônia e outras áreas públicas. Seu Sistema de Informação de Áreas Protegidas (SisArp) é um sistema Web com 15 módulos de dados por temas específicos, incluindo o módulo de pressões e ameaças. O SisArp alimenta sites institucionais que disponibilizam dados, mapas, imagens, vídeos, notícias, publicações e análises temáticas. Alguns sites estão listados abaixo, confira!
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Em formato de enciclopédia, é considerado a principal referência sobre o tema no país e no mundo |
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A mais completa fonte de informações sobre o tema no país |
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Versão especial da Enciclopédia PIB para a educação infantil; |
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o primeiro produto web de referência neste tema, lançado em junho de 2007 |
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painel de indicadores de consolidação territorial para as Terras Indígenas |
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painel de informações sobre o estado das florestas e alertas de pressões e ameaças que impactam as áreas protegidas. |
Ex-presidente desestruturou órgãos de prevenção e controle e sinalizou aos invasores que regularizaria atividades criminosas
Artigo originalmente publicado no site Poder360
A crise humanitária que se abate sobre os Yanomami e Ye’Kwana que vivem na Terra Indígena Yanomami, em Roraima e no Amazonas, não é nova, mas só agora foi revelada. Com a chegada da pandemia, a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) propôs, em julho de 2020, a ADPF nº 709 no STF (íntegra - 3MB).
Na ação, pediu que a União colocasse barreiras sanitárias para conter e controlar o acesso de pessoas nas terras indígenas que tinham indígenas isolados e de recente contato, caso das terras Yanomami. Além de solicitar a retirada de invasores em 7 terras indígenas onde o desmatamento e as invasões atingiram patamares críticos.
Em 8 de julho de 2020, a corte deferiu a maioria dos pedidos, mas não a retirada dos invasores. Como providência intermediária, a União deveria isolá-los e contê-los, tomando medidas para estrangular a logística que abastece o garimpo ilegal na área. Se as medidas tivessem sido providenciadas, os garimpeiros teriam ficado sem acesso a insumos básicos, sendo forçados a sair da terra indígena. Com mecanismos adequados de fiscalização, poderiam ser impedidos de voltar, iniciando-se um processo efetivo de controle da invasão e de proteção do território.
Em 3 de julho de 2020, a partir de ação do MPF (Ministério Público Federal), o TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região) determinou que a União apresentasse, “no prazo de 5 dias, plano emergencial de ações, e respectivo cronograma, para monitoramento territorial efetivo da Terra Indígena Yanomami, combate a ilícitos ambientais e extrusão de infratores ambientais (mormente garimpeiros)”.
Apesar da determinação para a retirada de invasores das terras Yanomami, até hoje muito pouco foi feito. A União realizou operações pontuais e insuficientes, ações para “inglês ver”, para tentar sinalizar ao Judiciário que estava fazendo alguma coisa, enquanto, na verdade, o garimpo crescia desordenadamente.
O Relatório "Yanomami Sob Ataque” registra um crescimento de 46% em 2021 em relação a 2020, e um incremento anual de cerca de 1.000 hectares, atingindo um total acumulado de 3.200 hectares de novos desmatamentos. Esses números representam o maior crescimento anual da área degradada pela atividade ilegal do garimpo na terra indígena, desde 2018, quando a Hutukara Associação Yanomami, organização representativa dos Yanomami, iniciou seu monitoramento por imagens de satélite. Muito provavelmente, é o maior dado desde a demarcação da área, em 1992. O monitoramento do desmatamento até os dias atuais deve ser lançado nos próximos dias.
Todo esse crescimento do garimpo ocorreu na vigência de decisões do STF e do TRF-1 que determinavam o controle dos invasores ou a sua retirada. Como disse a ministra Cármen Lúcia durante o julgamento do "pacote verde" na Suprema Corte, as medidas ambientais não devem ser apenas suficientes, elas também precisam ser eficientes! Pela expansão do garimpo, podemos ver que as medidas adotadas pela União não foram nada disso.
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A Hutukara Associação Yanomami não se restringiu a fazer denúncias em esfera nacional. Em 20 de julho de 2020, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos outorgou medidas cautelares de proteção a favor dos Yanomami e Ye’kwana (Resolução n° 35/2020 – íntegra/879KB). Elas foram convertidas em medidas provisórias pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em julho de 2022. Ainda assim, Jair Bolsonaro (PL) não se constrangeu.
A invasão de garimpeiros ilegais nas terras Yanomami tem relação direta com a crise humanitária que ganhou os jornais nos últimos dias. O garimpo promove impactos negativos tanto no meio ambiente ‒ desmatamento, a contaminação e destruição de corpos hídricos ‒ quanto na saúde da população, com danos sobre o sistema produtivo indígena.
Apenas entre 2020 e 2021, as terras Yanomami registraram mais de 40.000 casos de malária ‒ isso para uma população total de cerca de 30.000 pessoas.
Da mesma forma, também há os impactos associados ao aumento de conflitos e à violência. Áreas exploradas pelo garimpo impedem a abertura e manutenção das roças. Alguns indígenas são cooptados ou intimidados para trabalhar para os invasores. Uma das estratégias de aliciamento, por exemplo, é a introdução de armas de fogo no território, eventualmente disponibilizadas para adolescentes, mais vulneráveis a falsas promessas de prosperidade.
Como a economia indígena é dependente da mão de obra familiar, com as pessoas permanentemente adoecidas, prestando serviços para o garimpo e com as áreas de caça e pesca ocupadas por invasores, é praticamente impossível assegurar a subsistência. Tudo isso impacta negativamente na organização social indígena. Os moradores da área estão sitiados em suas próprias casas.
O aumento do garimpo está diretamente relacionado à gestão Bolsonaro, que desestruturou a Funai e os órgãos ambientais e sinalizou aos invasores que buscaria regularizar atividades ilegais e criminosas. O então presidente chegou a visitar um garimpo ilegal na terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, quando já existiam denúncias sobre a violência e a desnutrição que assola os Yanomami.
As constantes crises institucionais criadas por Bolsonaro, principalmente com o STF, inviabilizaram medidas mais eficazes para combater os ilícitos e a catástrofe humanitária nas terras Yanomami. A Funai, o Ibama, o Ministério da Justiça e, principalmente, o Exército –que tem a expertise e logística adequadas para operações na floresta– omitiram-se em seus deveres constitucionais e foram coniventes com a violência garimpeira autorizada por Bolsonaro.
Nessa tragédia, os únicos inocentes são os indígenas. É preciso investigar e responsabilizar os culpados para fortalecer as estruturas estatais contra governantes de ocasião e fisiologismos que não devem mais ser tolerados.
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Devastação aumentou 94% nos últimos quatro anos em comparação com períodos anteriores, segundo análise do ISA
Análise do Instituto Socioambiental (ISA) dos índices de desmatamento em Áreas Protegidas durante o Governo Bolsonaro comprovou o alerta feito nos últimos quatro anos por cientistas: o período da presidência representou o maior retrocesso ambiental do século, com um aumento de 94% no desmatamento, se comparado com os anos anteriores da gestão.
As principais causas do índice escandaloso têm relação direta com o desmonte dos órgãos de gestão ambiental, a paralisação nas demarcação de Terras Indígenas (TI) e gestão de Unidades de Conservação (UCs), o não reconhecimento de Territórios Quilombolas e a paralisação quase que completa das operações de fiscalização de crimes no interior de Áreas Protegidas.
Os quatro anos de Governo Bolsonaro são um retrato revelador da destruição da Amazônia, com perdas florestais severas que comprometem diretamente a vida dos povos indígenas e tradicionais.
Segundo a análise do monitoramento do ISA, as Unidades de Conservação Federais de proteção integral e uso sustentável registraram aumentos de 111% e 116%, respectivamente. Os Territórios Quilombolas (TQs) registraram um aumento de 13%. Já nas Terras Indígenas, principal alvo de crimes cometidos durante o atual governo, o aumento do desmatamento foi de 157%, demonstrando a omissão generalizada do Estado e o estímulo à ilegalidade ambiental.
Os dados oficiais de 2022, fornecidos pelo sistema Prodes/INPE, mostram que houve uma diminuição tímida da taxa de desmatamento nas áreas protegidas de 4% em comparação ao ano de 2021. Contudo, esse ano foram mais de 123 milhões de árvores derrubadas.
Dentre as áreas mais afetadas estão as Terras Indígenas e Unidades de Conservação. O desmatamento se concentrou em um conjunto de 41 Áreas Protegidas, sendo 20 TIs, 13 UCs federais e estaduais e oito TQs, localizadas em regiões pressionadas pela abertura de estradas vicinais, grilagem de terras e implantação de obras de infraestrutura.
Para Antonio Oviedo, pesquisador do ISA, esse cenário retrata um método de governo irresponsável e uma triste herança para o país. “Este resultado negativo para as Áreas Protegidas é fruto de um esforço persistente de desmonte das políticas de gestão ambiental e de combate ao desmatamento no governo de Jair Bolsonaro. Uma destruição do nosso maior patrimônio socioambiental, que distancia o país cada vez mais de um protagonismo mundial na proteção da natureza”, afirma.
A nota aponta medidas urgentes para reverter esse panorama, entre elas está a necessidade de ressuscitar as medidas de gestão e proteção das áreas protegidas, em especial o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental em Terras Indígenas (PNGATI) e a Gestão Territorial e Ambiental Quilombola.
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Não existe no país um mecanismo de rastreabilidade. É necessário um aprimoramento da fiscalização e da regulação das operações
* Artigo originalmente publicado no jornal Valor Econômico
No dia 19 de setembro, a Polícia Federal deflagrou a Operação Aerogold com o objetivo de desarticular uma organização criminosa envolvida na extração e na comercialização de ouro ilegal extraído em rios dos estados de Rondônia e do Amazonas.
A operação teve como um dos principais alvos a instituição financeira que mais comprou ouro de garimpo nos últimos cinco anos. Embora esteja cada vez mais evidente a participação das instituições financeiras na lavagem do ouro, o Banco Central pouco tem feito para aperfeiçoar a fiscalização e para prevenir e combater os crimes do setor.
A legislação atribui ao ouro de garimpo natureza jurídica de ativo financeiro ou instrumento cambial e confere exclusividade da primeira aquisição a instituições financeiras autorizadas pelo BC, as Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (DTVMs).
Ou seja, após ser explorado em garimpos autorizados, o ouro só pode ser comprado por Postos de Compra de Ouro (PCO), que são os braços das DTVMs nos municípios com produção aurífera.
O vendedor deverá apresentar seus documentos pessoais e o número do processo minerário de origem, que corresponde à área autorizada de onde o ouro teria sido extraído. Como não existe no país qualquer mecanismo de rastreabilidade, o vendedor pode indicar um processo que não corresponde à verdadeira origem do minério.
É a modalidade mais comum de lavagem de ouro: o ouro é explorado ilegalmente em áreas protegidas (como terras indígenas e unidades de conservação) ou não autorizadas e, no momento da venda, é vinculado fraudulentamente a lavras garimpeiras regularizadas.
Em razão da facilidade de fraude, o mercado do ouro tem sido utilizado para lavar dinheiro oriundo de diferentes atividades ilegais e até mesmo do tráfico de drogas, como vem revelando diversas operações da PF.
O risco de fraude é agravado por uma benesse legal que confere ao vendedor a responsabilidade pelas informações prestadas e que estabelece uma presunção de legalidade do ouro e da boa fé do comprador, isto é, das DTVMs.
Em um mercado dominado pela ilegalidade, a regra – conquista do lobby da Associação Nacional do Ouro – funciona na prática como um escudo jurídico, pois dificulta a responsabilização criminal dos donos das DTVMs e permite que elas comprem grandes volumes de ouro em regiões tomadas pela exploração ilegal, sem fazer qualquer averiguação.
Conforme estudo da UFMG, ao menos 54% da produção de ouro em lavras garimpeiras autorizadas no país foi realizada de modo irregular (ouro ilegal e potencialmente ilegal) – o equivalente a 27 toneladas. O estudo aponta que 96% das áreas convertidas em garimpo estão fora de processos minerários que registraram oficialmente produção de ouro.
São as DTVMs que compram ouro ilegal e o introduzem no mercado com um verniz de legalidade, para ser exportado para bancos, joalherias e até mesmo para grandes bigtechs, como Apple, Google, Microsoft e Amazon, como revelou matéria recente da Repórter Brasil.
A prevenção e o combate ao comércio ilegal de ouro demandam um aprimoramento da fiscalização e da regulação das operações das DTVMs, o que é de responsabilidade do BC.
É urgente a intensificação da fiscalização, para apurar infrações das DTVMs, como o descuido de controles internos, negligência a boas práticas de auditoria, prestação de informações falsas. Atualmente, existem oito DTVMs no país, que juntas somam 89 postos de compra. Trata-se de um mercado monopolizado, o que facilitaria a fiscalização.
Também se faz necessário maior rigor na aplicação de penalidades às DTVMs que comprarem ouro ilegal, sobretudo as reincidentes. Entre 2018 e 2021, as DTVMs mais do que quintuplicaram o valor de suas operações de compra de ouro de garimpo, saltando de R$ 1,4 bilhão para R$ 7,4 bilhões.
Ao menos seis das oito instituições financeiras foram ou estão sendo investigadas pela PF. Essas empresas seguem operando normalmente.
Outra medida importante seria reforçar a responsabilidade das DTVMs pelo ouro ilegal comprado nos seus postos de compra. É bastante comum que essas instituições aleguem na justiça não serem responsáveis pela compra e lavagem do ouro ilegal praticadas por seus mandatários.
O BC precisa robustecer as obrigações de prevenção e de combate à lavagem de bens e capitais pelas DTVMs, previstas na Lei de Lavagem de Dinheiro. São aplicáveis a todas as instituições financeiras, em conformidade com as diretrizes internacionais sobre o tema, no sentido de conhecer seus clientes e de reportar operações consideradas suspeitas, para evitar que seus serviços sejam utilizados em práticas de lavagem.
As instituições financeiras devem avaliar o risco financeiro, jurídico e socioambiental de suas atividades. As operações serão consideradas suspeitas de acordo com suas características, como o porte, a forma e as partes envolvidas.
Freio de arrumação
A exigência dessas obrigações poderá contribuir com o enfrentamento ao comércio de ouro ilegal. Por exemplo, o atual regramento dispõe que as instituições deverão considerar na avaliação de risco sua “área geográfica de atuação”, o que é particularmente importante para o tema em questão.
Segundo a UFMG, o Pará produziu 30,4 toneladas de ouro de garimpo, dos quais ao menos 22,5 toneladas (74%) foram extraídas de maneira irregular.
As cidades de Itaituba, Jacareacanga e Novo Progresso responderam por 85,7% do comércio de ouro irregular em 2019 e 2020. Na avaliação das operações nessas localidades, as DTVMs precisam adotar procedimentos proporcionais ao nível de risco.
A expansão do garimpo predatório é um problema grave e complexo, cujo enfrentamento demanda um esforço coordenado de diversas instituições, ainda mais neste momento de crise social e econômica e de valorização do ouro no mercado internacional.
No entanto, não há dúvidas de que o combate ao comércio ilegal demanda um “freio de arrumação” nas DTVMs, ao que o BC não se comprometeu efetivamente até o momento. Enquanto essas instituições batem recordes de lucros, o garimpo segue provocando mortes de indígenas, a destruição de rios e florestas e a contaminação da população amazônida.
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Última Portaria de Restrição de Uso venceu em dezembro de 2021. Levantamento mostra que mais de 12 mil árvores adultas foram derrubadas no território, cerca de 209% a mais do que no ano anterior
A Terra Indígena Jacareúba-Katawixi, localizada no sul do Amazonas, está entre as Terras Indígenas com a presença de povos indígenas isolados mais ameaçadas do país e o motivo é óbvio: há um ano a Fundação Nacional do Índio (Funai) negligencia a proteção do território sem qualquer justificativa formal. Levantamento do Instituto Socioambiental (ISA) comprova que, entre agosto de 2021 e setembro de 2022, o território registrou mais 21,9 hectares em novos desmatamentos, o que representa mais de 12 mil árvores adultas derrubadas.
Baixe o relatório
A taxa de destruição registrada é 209% maior do que a taxa do ano anterior, segundo o Prodes/INPE. Esses dados revelam que existe uma invasão contínua do território para exploração ilegal de madeira sem qualquer ação do Estado para contê-la.
Além do crescimento expressivo do desmatamento, outra constatação alarmante foi evidenciada no levantamento realizado via imagens de satélite: uma nova frente de extração ilegal de madeira no interior da TI Jacareúba-Katawixi. A atividade está acontecendo perto do limite sudeste do território e começou com a abertura de um ramal a partir do interior de uma fazenda vizinha e segue rumo à TI, que por sua vez possui toda essa porção leste tomada de fazendas que pressionam fortemente os limites do território, especialmente à beira do Rio Mucuim, importante afluente da margem direita do Rio Purus.
Os dados obtidos através do sistema de monitoramento autônomo do ISA (Sistema de Indicação por Radar de Desmatamento – SIRAD), comprovam que o aumento do desmatamento pode estar associado com a expectativa dos invasores sobre a não renovação da Portaria de Restrição de Uso — mecanismo de proteção legal de grupos indígenas isolados.
“A ausência de medidas enfáticas para a proteção territorial das terras com a presença de indígenas em isolamento sujeita estes povos a ataques, contatos forçados, insegurança alimentar e uma série de outras ameaças que podem ser fatais para a sua sobrevivência física e cultural”, explica a assessora Jurídica do ISA, Juliana Batista.
A área, localizada nos municípios de Canutama e Lábrea (AM), faz parte de um importante mosaico de Áreas Protegidas, com uma diversidade de povos indígenas, populações tradicionais e ecossistemas florestais preservados. A TI Jacareúba-Katawixi é sobreposta quase integralmente (96% do território) pelo Parque Nacional Mapinguari, criado em 2008. O registro sistemático da presença dos indígenas isolados na região ocorreu durante o planejamento das obras das usinas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, quando a Funai alertou o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para a existência de vestígios dessas populações.
Apesar de evidências da presença de povos isolados serem registradas desde os anos 1970, a medida protetiva da área só aconteceu, pela primeira vez, em 2007, quando foi editada a primeira Portaria de Restrição de Uso — com prazo de vigência de três anos. Ao fim da primeira portaria, foram editadas mais quatro outras portarias de igual teor, sendo que a última venceu em dezembro de 2021, assinada ainda pelo então presidente da Funai, General Franklimberg.
Segundo Luiz Fernandes, da Gerência de Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), “o abandono deste território é mais um sintoma agudo da política de destruição que tomou de assalto cargos de gestão, as instâncias de tomadas de decisão na Funai e, de forma muito particular a política de proteção aos povos indígenas isolados e recente contato".
De acordo com ele, desde a perseguição aos servidores e lideranças indígenas , o abandono das Frentes de Proteção e a falta de condições para atuar, ficou evidente e mais grave a situação nestes últimos três anos. "A Frente de Proteção Etnoambiental Madeira-Purus, vinculada à Funai, é responsável por proteger uma área extensa, que vai da região das fronteiras entre Rondônia, Amazonas e Mato Grosso, próximo à TI Tenharim do Igarapé Preto, passando pelo interflúvio Madeira-Purus e chegando ao Purus-Juruá a oeste. Não há condições de execução pelo aparelhamento e ingerências da [Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato] CGIIRC e da [Diretoria de Proteção Territorial] DPT junto à Unidade Gestora da Região, a CR Médio Purus [ocupada até outubro deste ano por militares], o que reflete no abandono das ações, perseguição e risco de conflitos a todo tempo e nenhuma medida administrativa para garantir a proteção integral da TI Jacareúba Katawixi”, continuou.
“Pela gravidade que se encontra a região, os próprios indígenas, em diálogo com a Frente de Proteção, Ministério Público Federal e o [Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade] ICMBio, garantiram até 2016 e 2017 a presença de uma Base de Proteção Etnoambiental no norte dessa Terra Indígena e isso garante a proteção, mas nessa porção leste, onde estão abrindo esse ramal, o grande problema é que é uma área totalmente desconhecida em termos socioeconômicos e por isso essa TI é uma das mais vulneráveis em termos de proteção de isolados”, diz Fernandes.
BR-319
Outro fator apontado pelos indigenistas como um possível motivo para a omissão da Funai em proteger a TI Jacaraeúba-Katawixi é pelo fato de seu limite se encontrar somente a 15 quilômetros da Rodovia BR-319, cuja Licença Prévia para a pavimentação foi concedida em 2015 pelo Ibama.
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Já o órgão estadual emitiu a Licença de Instalação para um trecho da obra. A BR-319, que liga Rondônia à Amazônia central, segue à margem da TI Jacareúba-Katawixi e, caso a proteção do território seja efetivada, poderia haver um embargo da pavimentação desse trecho que seria utilizado para facilitar o escoamento de monocultivos.
Segundo um estudo realizado pelo ISA e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em um cenário de baixa governança ambiental das políticas de controle e licenciamento ambiental, a TI Jacareúba-Katawixi poderá acumular um desmatamento de 269.974 hectares entre os anos de 2022 a 2039, caso a rodovia seja concretizada.
“A rodovia tem alto potencial de estimular o desmatamento na região, uma vez que abrirá acesso a vastas áreas da floresta amazônica, preservada pela presença de populações indígenas”, explica Antonio Oviedo, pesquisador do ISA.
Decisão histórica
O levantamento realizado pela Campanha Isolados ou Dizimados foi protocolado na Sexta Câmara do Ministério Público Federal do Amazonas e a expectativa é que seja distribuído aos procuradores que atuam na Terra Indígena para que haja alguma ação de proteção imediata desse território.
No último dia 21 de novembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) ordenou, de forma histórica, que o governo brasileiro tome todas as medidas necessárias para garantir a proteção da vida e dos territórios com presença de povos indígenas isolados e de recente contato. A decisão do ministro Edson Fachin foi proferida na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 991,proposta pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), e elenca sete obrigações impostas à União, à Funai e ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Para Fachin, existe uma “violação generalizada” dos direitos humanos dos povos indígenas isolados e de recente contato, devido à "omissão estrutural” do governo brasileiro. Ele afirmou que o governo utilizou um “método” para desfazer as proteções das terras de povos isolados, deixando de renovar as portarias de restrições de uso ou simplesmente não emitindo o instrumento em áreas com confirmação da presença de grupos isolados.
Segundo dados oficiais de 2021, o desmatamento nas 33 TIs com registros de povos isolados e de recente contato, listadas em outra ADPF proposta pela APIB no STF, aa ADPF 709/2020, representou 34% do total desmatado nas TIs da Amazônia legal. Entre 2019 a 2021, foram 51.837,8 hectares desmatados nos territórios de povos isolados e de recente contato, e a média anual neste período representou um aumento de 164% em comparação com a média dos três anos anteriores (2016 a 2018).
Frente à situação emergencial, um coletivo de organizações indígenas e indigenistas encabeçado pela Coiab e pelo Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi), lançou em agosto de 2021 a campanha “Isolados ou Dizimados”, que conta com uma petição para pressionar as autoridades a agir para proteger as quatro terras com registros de isolados.
Assine a petição!
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O ISA lamenta profundamente o falecimento da pesquisadora Flávia Merçon e se solidariza com familiares, amigos e alunos
O ISA lamenta profundamente o falecimento de Flávia Amboss Merçon Leonardo, vítima do ataque brutal e covarde a tiros na Escola Estadual Primo Bitti, ocorrido no dia 25 de novembro em Aracruz, Espírito Santo.
Pesquisadora comprometida com a defesa dos direitos de populações pesqueiras afetadas por desastres socioambientais, Flavia Merçon defendeu na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) a tese Imprensados no tempo da crise: a gestão das afetações no desastre da Samarco (Vale e BHP Billiton) e a crise como contexto no território tradicionalmente ocupado na foz sul do rio Doce.
O ISA se solidariza com familiares, amigos e alunos de Aracruz e com professores e colegas do Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais (GESTA) e do Programa de Pós-Graduação em Antropologia e Arqueologia da UFMG.
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Em nota, Hutukara Associação Yanomami afirma que caso, ocorrido no dia 12/11, precisa ser tratado como crime de ódio
A Hutukara Associação Yanomami cobrou que as autoridades investiguem as circunstâncias e os responsáveis pelo ataque a tiros a um grupo de indígenas Yanomami que matou uma mulher e deixou um homem ferido. O caso é extremamente incomum em Boa Vista e ocorreu em local público, no bairro São Vicente, próximo ao centro da capital.
Conforme declarações da Polícia Militar, duas pessoas que estavam em bicicletas fizeram disparos e fugiram em seguida. No local, foram encontradas cápsulas de calibre 9 milímetros. Os cerca de 30 indígenas estavam reunidos na Feira do Produtor, um local comum de estadia dos Yanomami quando estão de passagem pela cidade.
Para a Hutukara, o caso precisa ser investigado como um crime de ódio. Crimes de ódio são aqueles onde há uma violência intencional, física ou não, direcionada contra um indivíduo ou grupo motivado por preconceitos e discriminação em razão de características como raça, origem, religião ou etnia.
“A presença do grupo de Yanomami que foi alvo de ataque na cidade tem sido constante motivo de queixas preconceituosas contra os mesmos, ignorando não só a situação de vulnerabilidade a que ficam sujetos quando estão na cidade como também alimentam a discriminação contra os indígenas em razão de suas particularidades culturais e modos de vida”, diz a Hutukara na nota.
O grupo que sofreu o ataque vive na região do Ajarani, onde os Yanomami sofreram contato forçado com não-indígenas durante a abertura da Perimetral Norte, que ocorreu durante a Ditadura Militar e antes da demarcação da Terra Indígena Yanomami, em 1992.
Segundo a nota da Hutukara, o projeto de infraestrutura levou à morte uma parcela significativa da população que vivia naquela região, bem como desestruturou as comunidades e os mecanismos de controle social. Uma Ação Civil Pública, ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF), reconheceu a responsabilidade do Estado pela situação em que os indígenas de Ajarani foram deixados.
O Conselho Indígena de Roraima (CIR) também pediu investigação para descobrir quem mandou executar o ataque. Nessa segunda-feira (14/11), o CIR protocolou ofícios na Polícia Federal, no MPF e no Grupo de Atuação Especial de Minorias e Direitos Humanos.
Por meio das redes sociais, a deputada federal Joenia Wapichana (REDE-RR) afirmou que pedirá investigação por parte da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal.
Diante do ataque ao grupo de indígenas Yanomami na Feira do Produtor, em Boa Vista, ocorrido ontem, quando desconhecidos atiraram contra os indígenas, deixando uma mulher morta e um ferido, solicitarei ao MJ, PF e a CDHM da Câmara, apuração e providências imediatas.
— Joenia Wapichana (@JoeniaWapichana) November 12, 2022
Até o momento, a Polícia Civil não divulgou informações que possam levar aos suspeitos pelo ataque.
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Salto de desmatamento no governo Bolsonaro impulsionou o pior índice em 20 anos. Saiba essas e outras notícias no Fique Sabendo desta quinzena
Bomba da Quinzena
O Brasil chegou na COP-27, a conferência da ONU para o clima, com a maior alta na emissão de gases de efeito estufa em 20 anos. A COP deste ano acontece em Sharm El Sheikh, no Egito, e debate a implementação do Acordo de Paris, com um enfoque especial para os países em desenvolvimento.
O acordo do qual o Brasil é signatário foi assinado em 2015 e tem como principal objetivo a redução das emissões de gases de efeito estufa para limitar o aquecimento da temperatura do planeta. Os números mostram que o Brasil está caminhando na contramão do acordo e o motivo principal é o aumento da taxa de desmatamento durante o governo Bolsonaro.
Dados do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima (SEEG) mostram que, em 2021, o Brasil emitiu 2,42 bilhões de toneladas brutas de CO2 equivalente. Segundo o SEEG, o desmatamento foi o principal responsável pelo aumento nas emissões.
Com o crescimento da área desmatada na Amazônia e demais biomas pelo terceiro ano seguido, as emissões por mudança de uso da terra e florestas tiveram uma alta de 18,5% entre 2020 e 2021. A destruição dos biomas brasileiros foi responsável pelo lançamento de 1,19 bilhão de toneladas brutas de gases estufa na atmosfera.
Este é o quarto ano seguido que o Brasil registra alta nas emissões. O quadro coloca o país como o quinto maior emissor mundial, com 4% do total, atrás de China (23,7% do total), Estados Unidos (12,9%), Índia (6,5%) e Rússia (4,2%).
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Governo Bolsonaro avança sobre Unidades de Conservação
E você com isso?
Enquanto o Brasil aumenta sua emissão de gases de efeito estufa, os povos indígenas atuam mitigando as emissões através da proteção das florestas. Já foi comprovado cientificamente que as Terras Indígenas atuam com barreiras contra a degradação do meio ambiente e, consequentemente, também no combate ao efeito estufa.
Um relatório da ONU mostra que, entre 2000 e 2012, as taxas de desmatamento na Amazônia do Brasil, Bolívia e Colômbia foram entre duas e três vezes menores dentro de Terras Indígenas quando se compara com as áreas ao redor. Essas áreas evitaram entre 42 e 59 milhões de toneladas de emissões de CO2 bruto na atmosfera. Seria como retirar de circulação cerca de 12 milhões de veículos por um ano.
Um estudo recente do Instituto Socioambiental (ISA) também comprovou que as florestas precisam de pessoas. Segundo os dados levantados, os povos indígenas e tradicionais protegem um terço das florestas no Brasil.
Assista ao vídeo:
É por isso que o futuro do clima global precisa ser debatido com a presença dos povos originários. E é justamente essa a intenção dos povos, juventudes e movimentos originários e tradicionais que marcam presença em mais uma COP.
Durante a COP26, no ano passado, países do dito “primeiro mundo” prometeram uma doação de US$ 1,7 bilhão para que os povos originários sigam protegendo seus territórios. Neste ano, um dos focos do movimento indígena é cobrar o apoio financeiro prometido aos fundos geridos pelas comunidades indígenas.
Apesar dos dados que provam a força dos povos indígenas na preservação da sociobiodiversidade, essas populações tiveram acesso direto a apenas 0,13% dos recursos destinados à redução das mudanças climáticas entre 2011 e 2020.
Outra demanda dos povos indígenas nesta edição é a retomada das demarcações das Terras Indígenas no Brasil, que foram interrompidas completamente durante os últimos quatro anos.
A expectativa é que sejam firmados compromissos por uma nova política socioambiental para o Brasil nos próximos quatro anos, já que, a COP também contará com a presença de membros do governo de transição e do novo presidente eleito, Lula.
Além disso, fique ligado em estande inédito formado por governadores amazônicos e que apresenta uma narrativa e uma agenda próprias, diferentes do estande oficial do atual governo federal.
Os governos amazônicos trazem como foco o desenvolvimento sustentável da floresta amazônica por meio de iniciativas de bioeconomia e do lançamento de um plano regional de combate ao desmatamento e às queimadas.
Baú Socioambiental
A primeira Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, a COP-1, aconteceu em 1995, em Berlim, na Alemanha. Foi dado início ao processo de negociação de metas e prazos específicos para a redução de emissões de gases de efeito estufa pelos países desenvolvidos.
Os países em desenvolvimento não foram incluídos nesta reunião, levando-se em conta o princípio da convenção que fala em “responsabilidades comuns, porém diferenciadas”.
Apenas 25 anos após a assinatura da convenção, durante a COP-23, realizada em 2017 na cidade de Bonn, na Alemanha, foi criada a Plataforma das Comunidades Locais e Povos Indígenas (LCIPP, na sigla em inglês).
Foram estabelecidos três grandes eixos de atuação: conhecimento tradicional, capacidade de engajamento, e políticas e ações sobre mudanças climáticas.
A plataforma funciona a partir de um grupo de trabalho facilitador formado por 14 representantes eleitos, metade indígenas e metade dos Estados (países), e agora discute seu segundo plano de trabalho.
Durante a edição de 2008, também foi criado o Caucus, um espaço de reunião entre indígenas que participam das COP e que há algumas edições passou a ser diário. Esse é um importante espaço de articulação dos representantes indígenas, que deliberam sobre posicionamentos gerais, estratégias de atuação e agendas. Delegados dos Estados e agências da ONU são convidados a participar das discussões.
Durante a edição de 2021, as vozes indígenas foram ainda mais amplificadas, resultado de um esforço feito a cada ano pelos representantes dos povos indígenas. Para o Brasil, foi um momento especial. Pela primeira vez, uma jovem liderança indígena brasileira, Txai Suruí, do povo Paiter Suruí, discursou no palco principal do World Leaders Summit, durante a COP-26.
Relembre o discurso:
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Áudio do "Papo dos Isolados", iniciativa do ISA e da Coiab, lembra também que, em julho e agosto, invasões aumentaram 50% nos territórios com presença de isolados
No terceiro episódio dos áudios Papo dos Isolados, o parente Kauri, do povo Wajãpi, expõe um dado alarmante: em dois meses o desmatamento cresceu 50% nas Terras Indígenas com povos isolados. Foram aproximadamente 215 hectares desmatados somente entre os meses de julho e agosto de 2022.
Outra informação crítica: ao longo de 2022, só na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, em Rondônia, mais de 60 mil árvores foram derrubadas. O território está cercado por fazendas, com áreas de pasto e de plantio de soja.
Os áudios Papo dos Isolados são lançados mensalmente pelo Instituto Socioambiental (ISA) e pela Coordenação das Organizações Indígenas do Brasil (Coiab) e trazem novidades sobre a situação das Terras Indígenas com presença de povos isolados e de recente contato. Os dados são extraídos do Sirad-I, um sistema de monitoramento realizado pelo ISA.
Saiba essas e outras atualizações sobre a situação dos parentes isolados todo mês no Papo dos Isolados. Além de receber o áudio pelo WhatsApp, você também pode acessar os alertas pelo Instagram ou pelo Spotify.
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Enfraquecimento de políticas e desmonte de órgãos ambientais foram algumas das principais estratégias usadas contra áreas protegidas, mostram autores do ISA em nova publicação
Diante da possibilidade de fim da era bolsonarista, os retrocessos socioambientais do atual governo são uma herança que precisará ser revertida caso o Brasil não queira continuar sendo exemplo de uso insustentável dos recursos naturais. Como proteger quando a regra é destruir, nova publicação do Instituto Socioambiental (ISA) em parceria com a editora Mil Folhas que será lançada nesta sexta-feira (07/10), traz um panorama sobre as ameaças do enfraquecimento das políticas de proteção ambiental e lança perspectivas e estratégias para reverter a realidade criminosa à qual as Unidades de Conservação (UCs) no Brasil foram submetidas.
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Entre os 23 artigos de especialistas que compõem o livro, “A desconstrução das políticas de proteção das Unidades de Conservação", dos pesquisadores do ISA Antonio Oviedo e Nurit Bensusan e do assessor jurídico do ISA, Maurício Guetta, denuncia o método adotado pelo atual governo para promover o desmonte da proteção ambiental no país.
Os pontos mais cruéis desse roteiro de destruição apontam para o estímulo à ilegalidade ambiental por meio da baixa fiscalização e a edição de novas normas que esvaziaram as políticas ambientais. No mesmo sentido, foram criados projetos de lei que facilitaram a entrada de atividades de grande impacto, como de infraestrutura, mineração, energia e agropecuária em Unidades de Conservação. Além disso, cortes de orçamento submeteram os órgãos ambientais à inanição.
Logo no primeiro ano do atual governo, em 2019, o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles anunciou que anularia todas as 334 UCs federais do país. Isso só não foi possível porque havia uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), implementada em 2018, que impedia diretamente a anulação, ponderando que qualquer alteração deveria ser tramitada por lei específica.
Mesmo com a frustração do plano inicial de anulação das UCs, outras estratégias foram utilizadas para liberar a destruição dessas áreas, como por exemplo a Medida Provisória nº 870, que possibilitou a extinção de diversas estruturas essenciais para a proteção. Entre elas, todas as instâncias de combate ao desmatamento e às mudanças climáticas no Ministério do Meio Ambiente (MMA).
Além disso, todos os programas do MMA sofreram corte orçamentário. O principal programa orçamentário, “Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade e dos Recursos Naturais”, perdeu mais de R$18 milhões e tinha como meta criar ferramentas e instrumentos de gestão para conservação, monitoramento, recuperação e biodiversidade.
“Hoje as Unidades Conservação só estão protegidas no papel, pois não há ações concretas dos órgãos competentes. A medida provisória, que depois virou lei, conseguiu anular as estruturas governamentais que garantem a existência efetiva dessas áreas, permitindo que a ilegalidade opere livremente", explica Guetta.
A quase-morte das UCs
O corte dos orçamentos em mais de 30% e a baixa execução dos recursos das instituições de proteção ambiental, como a do Ibama e ICMBio, contribuíram para que crimes ambientais fossem instaurados nas áreas protegidas, como o avanço de registros irregulares do CAR, desmatamento e fogo. O ICMBio chegou a ter um corte de R$97 milhões, ou metade do seu orçamento original, se comparado com 2017.
Essa é somente a ponta da herança dos retrocessos. A falta de transparência das informações sobre as UCs e o afastamento compulsório da sociedade civil – com a extinção dos conselhos e impedimento à participação – limitaram a fiscalização do poder público e a gestão das áreas.
Ao longo de duas décadas, as Unidades de Conservação foram garantia de proteção dos biomas brasileiros. Especialmente na Amazônia, as áreas protegidas contribuíram para a redução de 84% do desmatamento entre 2004 e 2012. Por outro lado, nos últimos três anos, diante da diminuição expressiva do combate aos crimes ambientais, o uso predatório dessas áreas compromete o futuro socioambiental do país.
O governo de Jair Bolsonaro consolidou um novo patamar de destruição das áreas protegidas, principalmente na Amazônia. Com base nos dados oficiais do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), as UCs federais sofreram um aumento de 130% do desmatamento se comparado com os dados consolidados nos três anos anteriores ao governo Bolsonaro. O garimpo ilegal aumentou 44,2%.
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Cinco motivos para defender as Unidades de Conservação
Além da devastação ambiental nos últimos três anos, a invasão de grileiros foi expressiva. Hoje existem 43 mil imóveis ilegais cadastrados ilegalmente, que sobrepõem mais de 97% da área das Unidades de Conservação. As invasões ganharam força e legitimidade com os discursos presidenciais e a tentativa de aprovação de projetos como o PL da grilagem.
“Enquanto houver uma visão colonial, que troca o conhecimento das populações tradicionais que habitam essas UCs por um aparato tecnocrático e formas de usos insustentáveis, não haverá proteção ambiental das UCs. É preciso forçar um caminho para a mudança dessa agenda”, diz Oviedo.
Para a conservação da biodiversidade seguir outros rumos, defendem os autores do artigo, será preciso ressuscitar o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc) e as instituições que promovem o combate direto aos crimes ambientais. As populações tradicionais fortemente conectadas às UCs devem participar ativamente na formação e manutenção dos espaços que compõem as UCs.
No artigo, destacam-se três medidas urgentes para reverter o cenário de retrocessos ambientais:
1- Ibama e ICMBio devem retomar as ações de fiscalização ambiental, combate ao desmatamento, incêndios florestais e outras ações criminosas nas UCs;
2- Garantia de dotação orçamentária compatível e de recursos humanos para as ações finalísticas do ICMBio, tais como implementação de instrumentos de gestão e monitoramento;
3- Realizar tais medidas mediante os mais altos parâmetros de transparência, participação pública e controle social.
Além dessas medidas, será necessária a suspensão e anulação de todos os registros do CAR de terceiros em sobreposição às UCs, assim como dos requerimentos minerários que incidem em determinadas categorias de UCs. É fundamental também que as obras de infraestrutura planejadas sejam implementadas somente após cuidadoso estudo de impacto ambiental, garantindo principalmente consulta prévia dos moradores do entorno e populações tradicionais da região.
“Enquanto insistirmos em transformar esse planeta convidativo em um mundo hostil para nós mesmos, não haverá futuro nem país. É essencial recuperar estratégias para proteger a biodiversidade e os modos de vida de povos e comunidades. Mas não basta recuperar as políticas e instituições. Temos que fazer mais: temos que reinventar a conservação para além da visão tecnocrática e colonial”, finaliza Bensusan.
Acesse aqui o artigo na íntegra. Adquira a nova publicação do Instituto Socioambiental, Como proteger quando a regra é destruir
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Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) cobra retirada de dragas; atividade ilegal ameaça turismo sustentável e principal reduto de tucunarés gigantes da Amazônia
Conteúdo alterado em 06/10/2022 às 10h37
O vídeo de uma draga de garimpo de ouro entrando ilegalmente em território indígena na região do Rio Negro, no Amazonas, foi postado nas redes sociais pelo diretor-presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), Marivelton Barroso, do povo Baré, em 17 de setembro. Passados 13 dias e após a federação encaminhar a denúncia a órgãos públicos, o problema persiste.
Na quarta-feira (28/09), Marivelton Baré voltou a utilizar as redes sociais para exigir que os órgãos públicos reajam às denúncias feitas. “A gente vem a público pedir que as instituições e órgãos de controle do Estado brasileiro possam reagir às nossas denúncias e pedido de desintrusão das dragas de garimpo que estão hoje nas Terras Indígenas Médio Rio Negro I e Médio Rio Negro II. Sobretudo na localização do Rio Marié, onde estão plenamente em operação”, narrou.
Segundo a Foirn, há pelo menos três dragas de garimpo na região. Além de expor a riscos a população indígena, a ação ilegal prejudica as atividades de turismo sustentável de pesca esportiva que ocorrem no Rio Marié.
“A gente não quer que o território do Rio Negro fique como outras áreas que não fizeram nada e [logo] a ilegalidade tomou conta”, completou. A Foirn encaminhou um ofício em 23 de setembro com pedido de providências a órgãos como Ministério Público Federal (MPF), Fundação Nacional do Índio (Funai) e Exército. No dia 29, voltou a pedir novas providências ao MPF.
Em julho, Marivelton Baré e o vice-presidente da Foirn, Nildo Fontes, do povo Tukano, entraram com pedido para integrar ação popular contra o que denominam de “loteamento do Rio Negro” para fins minerários.
No vídeo divulgado nesta semana, o diretor-presidente da Foirn informa que uma operação envolvendo órgãos públicos chegou a fazer a abordagem da draga de garimpo ilegal, mas a embarcação e seus responsáveis foram liberados. Eles teriam mostrado licença para estudo de viabilidade de extração de ouro.
De acordo com a Constituição Federal, tanto a pesquisa como a lavra das riquezas minerais em Terras Indígenas só podem ser efetivados mediante lei específica, que ainda não foi editada pelo Congresso Nacional. “Mas que licença de autorização é essa que viola nossos direitos?, questionou Marivelton Baré.
Além da necessidade de lei específica, a Constituição Federal prevê que empreendimentos de pesquisa (incluindo pesquisa de viabilidade) e lavra de riquezas minerais também necessitariam, após a edição da lei, de autorização do Congresso Nacional, oitiva das comunidades afetadas e sua participação nos resultados da lavra.
Atividades deste porte demandariam, também, licenciamento ambiental. Tudo isso deveria ser capitaneado por órgãos federais, já que as Terras Indígenas estão entre os bens da União. Nada disso foi realizado, o que faz com que a atividade seja absolutamente ilegal, a configurar, inclusive, possível crime ambiental.
Turismo sustentável
De acordo com a Foirn na região onde as dragas estão atuando, no Rio Marié, está em pleno desenvolvimento o projeto de turismo de pesca esportiva e de base sustentável, que vem sendo executado após a elaboração de um plano de visitação realizado de forma participativa pelas comunidades que vivem ena região de Santa Isabel do Rio Negro. O projeto tem aprovação da Fundação Nacional do Índio (Funai) e contou com estudos ambientais elaborados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a fim de manter a integridade ambiental da região.
O Marié é o principal reduto de tucunarés gigantes na Amazônia. O rio está inteiramente localizado dentro de um extenso território indígena, uma área com cerca de 2 milhões de hectares. Com mais de 800 quilômetros de rio, 180 igarapés e 60 lagos mapeados, esse importante afluente do rio Negro é uma área altamente preservada e, por isso, com condições para os peixes gigantes crescerem. Tudo isso está seriamente ameaçado com a recente invasão de dragas garimpeiras.
Saiba mais sobre a pesca esportiva indígena de Tucunaré-Açu
Diretor da Associação das Comunidades Indígenas do Baixo Rio Negro (Acibrn), Gelvani da Costa Silva, do povo Baniwa, reforça que os impactos ambientais causados pelas dragas podem também inviabilizar a atividade do turismo sustentável que vem gerando renda para a famílias indígenas.
A concepção do projeto turístico garante o diálogo entre os modos de vida das comunidades, respeitando sua autonomia e investindo em relações inovadoras entre empresas e comunidades.
Aumento de denúncias
O aumento da pressão do garimpo ilegal sobre as Terras Indígenas do Rio Negro está colocando a população em risco e levando ao crescimento de denúncias. Em 2021, indígenas relataram ameaças por pessoas estranhas que pretendiam exercer atividade mineral na região. Há denúncias de dragas nos rios Cauburis, Inambu, Arichana, Aiari, entre outros.
Levantamento realizado pelo Instituto Socioambiental (ISA) mostra que há cerca de 77 requerimentos minerários ativos para pesquisa e lavra nas áreas que compreendem as terras indígenas Jurubaxi-Téa, Rio Téa, Yanomami, Médio Rio Negro I, Médio Rio Negro II e Cué-Cué Marabitanas.
Somente nas TIs Médio Rio Negro I e Médio Rio Negro II, são 20 requerimentos ativos. Referentes a ouro são 60 e os outros 17 a estanho, cassiterita, nióbio, cascalho e areia.
A Agência Nacional de Mineração (ANM) vem liberando requerimentos minerários em áreas ne leito do Rio Negro, dentro de Terra Indígena o que compromete os modos de vidas dos indígenas e ameaça a integridade ambiental da área.
“Nós lutamos para demarcar esse território exatamente para podermos preservar e trabalhar nossas atividades produtivas. Brigamos muito para manter ele de forma preservada. Não foi favor de governo nenhum, foi a luta de lideranças que nos antecederam. E a gente não quer que esses intrusos fiquem dentro do nosso território. Então a gente fala: ‘fora garimpo, fora mineração e fora também esse desgoverno’, que não está atuando de forma alguma para coibir e barrar a entrada dessas atividades ilegais e ilícitas no território”, finaliza Marivelton Baré.
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