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"Fotografar é o processo de descobrir o outro e, através do outro, a si mesmo”
“Na época não me importava não entender a língua dos Yanomami. Nós nos entendíamos com gestos e mímica. As respostas, encontrava no olhar. Não sentia a falta de troca de palavras. Queria observar, absorver, para recriar em forma de imagens o que sentia. Talvez o diálogo iria até interferir. Só mais tarde, quando acabei de fotografar, eu procurei a comunicação verbal”. Trecho de reportagem do jornal Ex-, n. 14, set. 1975 e reproduzido no catálogo da exposição “Claudia Andujar: A luta Yanomami”
A fotógrafa e ativista Claudia Andujar nasceu em 12 de junho de 1931 na cidade suíça de Neuchâtel e, ainda pequena, se mudou para a Hungria, onde sentiu na pele os horrores da guerra e do deslocamento forçado. Seu pai e quase toda a família paterna, judeus, foram assassinados em campos de concentração nazistas. Com o apoio de um tio que havia emigrado para os Estados Unidos antes da Segunda Guerra, ela viajou com a mãe para Nova York, em 1948. Claudia desembarcaria no Brasil, sua pátria escolhida, aos 24.
Sem saber falar o Português, ela encontrou na fotografia um canal de comunicação com o novo mundo que se revelava. Os anos foram passando e seus registros de viagens começaram a despertar o interesse de veículos nacionais e internacionais. Em 1958, por sugestão do amigo e antropólogo Darcy Ribeiro, Claudia se conectou com a causa indígena.
Em 1971, o mergulho a levaria ao território Yanomami, objeto de uma reportagem da Revista Realidade. Naquele ano, a política integracionista da ditadura cívico-militar brasileira estava a todo vapor e a chegada da Rodovia Perimetral Norte levava destruição e doenças aos indígenas, de recente contato. Claudia, em diálogo com as comunidades pelas lentes de sua câmera, entendeu a emergência de denunciar o que estava acontecendo ao mundo. A filha do exílio, que relatava sentir que não pertencia a lugar algum, encontrou na luta pelos direitos dos Yanomami seu compromisso de vida.
Claudia e Davi Kopenawa, parceiros de longa data na luta pelos direitos Yanomami
Para homenagear seus 90 anos, o ISA conversou com quem construiu ao seu lado a Comissão Pró-Yanomami, que fortaleceu a luta do líder e xamã Davi Kopenawa e pressionou pela demarcação da maior terra indígena do Brasil, em 1992: a Terra Yanomami.
“Em 1978 participamos de uma manifestação na PUC [Pontifícia Universidade Católica] de São Paulo - eu, Bruce [Albert], Claudia e outros colegas, onde estavam todos os monstros consagrados do indigenismo no Brasil como Villas Boas e Darcy Ribeiro. Naquela época o ministro do interior, o general José Costa Cavalcanti, queria emancipar os indígenas, que na verdade era emancipar as terras indígenas, como aconteceu no passado, ocupadas pelos fazendeiros. Depois dessa manifestação resolvemos criar uma associação, a Comissão Pela Criação do Parque Yanomami (CCPY), mas com a Constituição de 1988, a figura de parque indígena foi abolida, assim também tivemos que mudar o nome da organização para Comissão Pró–Yanomami, foi quando fizemos primeiro mapeamento, com mapas confiáveis, da Terra Indígena Yanomami, antes eram muito falhos e sem precisão.
Collor [então presidente da República] era tido como o grande explorador, topou e mandou demarcar em 1991 a Terra Yanomami e 1992 foi homologada, registrada e legalizada, e deveria estar totalmente protegida, mas hoje está totalmente invadida.
A Claudia foi muito importante em todos esses processos, principalmente para a divulgação, praticamente no mundo todo, dos Yanomami. Mas, o que marca também o trabalho dela é a valorização do Davi Kopenawa, desde o início, quando ele nem era conhecido. Ela sempre apoiou o Davi, inicialmente aqui no Brasil, levando-o para conhecer outros povos indígenas. Assim ele passou a perceber e entender que o problema da invasão nas terras indígenas não era só na terra Yanomami, mas que, infelizmente, já tinham terras indígenas em situações muito piores. Claudia foi a primeira pessoa a levar o Davi para fora do Brasil e assim fortalecer a luta pela demarcação e homologação, sempre o acompanhou em vários países por ela ter muitos contatos e falar várias línguas”.
"Claudia querida, nós temos que nos preocupar agora de passar a bola para a nova geração de líderes yanomami, como o Dário Kopenawa, [filho do líder e xamã do povo Yanomami, Davi Kopenawa], e da equipe do ISA que apoia os Yanomami que também tem jovens que estão assumindo esse trabalho tão importante e que precisa ser persistente. Os Yanomami estão sofrendo um grave drama com o território invadido por milhares de garimpeiros e as autoridades não fazem nada para diminuir o sofrimento desses povos, portanto, esse teu trabalho não foi em vão, mas ele tem que persistir”.
Claudia visitou uma aldeia Yanomami pela primeira vez em 1971
“Ela conhece muitos bisavôs Yanomami. É uma pessoa com o coração muito bom para ajudar. Chegou primeiro na missão Catrimani em 1971 para ajudar e proteger o nosso povo. Quando ela encontrou meu pai [Davi Kopenawa], conversou com ele, ensinou a lutar pela terra e o apoiou na defesa do povo yanomami. Foi uma pessoa de extrema importância no processo de homologação e demarcação, junto à CCPY, onde fez um bom trabalho.
Nós, povos Yanomami e Ye'kwana, reconhecemos o trabalho que a Claudia fez. Ela demonstrou compromisso e amor à população Yanomami. Ajudou muito as nossas lideranças mais velhas. Demonstrou sua capacidade e conhecimento sobre a cultura do povo Yanomami para mostrar ao mundo quem nós somos.
Eu sou geração da Claudia, como jovem reconheço esse apoio com carinho, respeito e admiração com toda proteção aos nossos povos. Ela conhece nossos pais e avós. Ela sofreu junto com a gente e fez com que a sociedade não indígena nos reconhecesse. Levou nossa voz, deu visibilidade aos nossos problemas de invasão da terra. A história dela faz parte da história dos povos Yanomami e Ye'kwana.
Claudia abriu a visão do meu pai para falar com autoridades. É uma pessoa muito corajosa”.
No próximo ano, quando a Terra Yanomami completará 30 anos, queremos a Claudia aqui. Não sei se vai conseguir chegar por conta da idade, mas gostaríamos muito de homenageá-la. Graças à ela vamos completar 30 anos da nossa terra, do nosso território demarcado, com mais de nove milhões de hectares”.
A Hutukara também faz parte desse mundo não indígena que a Claudia nos apresentou, com todo apoio e testemunho de um trabalho dela. Nossa grande parceira!”